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Em 1946 criou-se na Fundação Getúlio Vargas um núcleo de matemática. O senhor participou desse núcleo?
Ativamente. O dr. Luiz Simões Lopes, presidente da Fundação, tinha ido para o Sul, acompanhando Getúlio, quando este foi deposto em 1945; em seu lugar, Paulo de Assis Ribeiro ficou administrando a instituição e chamou para montar esse núcleo o dr. Lélio Gama, cientista, astrônomo, matemático, um grande homem, inteligente, modesto; ele me examinara no exame vestibular da UDF. Não sei por quê, quando da extinção da UDF, Lélio não foi convidado a ir para a Universidade do Brasil, onde já era livre docente em Mecânica na Escola de Engenharia; acabou ficando no Observatório Nacional, o que foi um duro golpe para ele. Muito provavelmente, esse núcleo foi montado como uma espécie de compensação, não sei dizer com certeza. Sei que ali foi fundada uma revista, a Summa Brasiliensis Mathematicae, dirigida pelo Leopoldo e que publicou alguns artigos bastante importantes e sobreviveu ao núcleo da Fundação. É interessante registrar que este nome foi sugerido por d. Hélder Câmara, que também andava muito pela Fundação; era uma adaptação da Summa Theologica, de Santo Tomás de Aquino. Sempre achei esse nome meio pomposo. Seja como for, a Summa representou um marco importante na matemática brasileira. Obra do Leopoldo.
Qual era o objetivo desse núcleo de matemática?
Era reunir pessoas que gostassem de matemática como tal. Faziam-se seminários, explanações de um livro. . . Essas coisas, quando começam, não têm muitas regras formais; depois é que olhamos para trás e vemos como foi. Basicamente, o grupo que compunha o núcleo era: Lélio Gama, Leopoldo Nachbin, eu, Antônio Aniceto Monteiro, um professor português antissalazarista que veio fugido de Portugal. Da Faculdade de Filosofia vieram Maria Laura Mousinho e Alvécio Moreira Gomes, acho. Com exceção de Lélio Gama, que já era famoso, era um grupo de pessoas muito jovens, em início de carreira.
Quanto tempo durou o núcleo?
Um ano e pouco, entre 1946 e 1947. Era uma estrutura bastante informal, embora bem remunerada — recebi pela Fundação durante uns seis meses. Lá conheci matemáticos importantes, como André Weil e Oscar Zariski, que estavam na USP e fizeram conferências na Fundação. Na época, não eram tão eminentes quanto se tornaram depois, ambos grandes matemáticos. Mas a experiência acabou não vingando, porque a verdade é que a Fundação Getulio Vargas não foi feita para fazer matemática, claro; é natural que tenha sido assim. Isso magoou muito o Lélio. O fato é que o grupo ficou hibernando, meio “em banho-maria”, aguardando uma nova oportunidade. Depois surgiu o IMPA, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, dentro do Conselho Nacional de Pesquisas. O fundador do CNPq, almirante Álvaro Alberto, conhecia e admirava muito o Lélio, uma pessoa especial; tranqüilo, intelecto vigoroso, alto padrão moral.
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[Reproduzido de
IMPA 50 Anos]
Ver também
Os professores portugueses no Recife - excerto de uma entrevista com Aron Simis
António Aniceto Monteiro escreveu com Maurício Matos Peixoto o seguinte único artigo (em 1951)