terça-feira, 13 de dezembro de 2016
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
JOSÉ LEITE LOPES: excerto de «idéias e paixões»
Leite Lopes e Monteiro numa fotografia dos anos 1945-1949
-(…)
Quando voltei de Princeton, em 1946, eu morava em uma pensão, chamada
Pensão Internacional, em Santa Tereza, que eram as ruínas do Hotel
Internacional, onde se havia hospedado a grande bailarina Isadora Duncan, pelo que
me disseram. Eu me casei em julho de 46 e voltei para o Rio (ver RIO), para um
quarto de apartamento em Copacabana. Havia um matemático português, Antônio Aniceto
Monteiro, que morava nesta pensão, que achou que eu deveria ir para lá e eu fui
com a minha mulher. O lugar era muito aprazível; um lugar alto e fazia uma diferença
de dois três graus com relação ao resto da cidade, o que era muito importante
no verão. Lá habitava o famoso casal Arpád Szenes e Maria Helena Vieira da
Silva. A Vieira da Silva tornou-se depois uma das maiores pintoras na França.
Eles vieram para cá refugiados da guerra. Havia também o pintor Carlos Scliar,
que acabava de regressar da Europa, onde tinha participado da guerra como
integrante da Força Expedicionária Brasileira. Havia um crítico de Arte chamado
Rubem Navarra, que depois foi para a França e parece que enlouqueceu e morreu prematuramente.
Uma aluna de Arpád, uma americana, fez um retrato a óleo de minha mulher
Carmita, que é uma beleza e até hoje está na casa de meu filho mais velho, José
Sérgio. Havia também um casal amigo, Adolpho e Ana Soares, que eram ceramistas,
e que nos visitavam muito na Pensão Internacional. Aliás, nos fins de semana,
iam à pensão poetas e escritores como Manuel Bandeira, Murilo Mendes e sua
mulher, Maria da Saudade Cortesão, a famosa Cecília Meirelles e seu esposo
Heitor Grillo, o poeta Ascenso Ferreira (ver POESIA). Iam todos visitar Maria Helena
e Arpád Szenes. Eu morava num quarto em cima do deles e descia para ouvir
música de quarteto, as músicas de Debussy, de Bach (ver BACH) e era uma delícia!
Influenciado por essas coisas todas, pelo convívio com esses pintores e artistas,
fui me interessando, cada vez mais, pelas Artes.
(…)
Uma beleza a pintura (ver BELEZA)! Eu travei contato com a pintura quando
vim ao Rio de Janeiro e me hospedei na Pensão Internacional, com a minha mulher
(ver AMOR). Eu tinha acabado de casar, e lá estava um casal famoso de pintores:
Arpád Szenes, que era um pintor de nacionalidade húngara, mas radicado em
Paris, e sua mulher Maria Helena Vieira da Silva, nascida em Portugal, mas
também residente em Paris. Ambos eram muito famosos como grandes pintores, e
tinham fugido de Paris com a ocupação alemã e estavam instalados na Pensão
Internacional em Santa Teresa, para onde me levou o matemático
português Antonio Aniceto Monteiro, que também estava hospedado lá. Também
estava lá Carlos Scliar, um grande pintor brasileiro, e então foi o meu primeiro
contato com a pintura. Eu via lá o Arpád que dava aulas de pintura e tinha alunas
americanas e Maria Helena, separada dele, evidentemente em outro atelier, para
um não influenciar o outro.
(…)
domingo, 11 de dezembro de 2016
Resistência, repressão e diplomacia nos anos 1940, no Rio de Janeiro (trecho de «ESTADO NOVO E RELAÇÕES LUSO-BRASILEIRAS (1937-1945)», de Carmem G. Burgert Schiavion)
«Tribuna Popular» de 21 de Março de 1946
-
(…)
Um outro exemplo desta oposição dos "insubmissos"
portugueses ocorre por ocasião da fundação da Sociedade dos Amigos da
Democracia Portuguesa (a), no Rio de Janeiro, cujo objetivo principal consistia
em "prestigiar, por todos os meios, os portugueses que dentro de Portugal
ou no exilio desejam substituir o governo salazarista" (b), a qual faz
publicar nos principais jornais do eixo Rio/São Paulo um manifesto que informa
sobre a fundação da Sociedade e realiza afirmações no sentido de que a
"fraternidade luso-brasileira se acha perigosamente ameaçada pela
tendência fascista do Governo Português e que só num ambiente de legalidade e
de liberdade em Portugal poderão as relações estabelecer-se sobre seus
legítimos fundamentos" (c).
Além da atuação da Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa junto
à imprensa brasileira, a instituição, em 18 de novembro de 1945, realizou um
comício na sede da União Nacional, no Rio de Janeiro, em protesto contra as
fraudes nas eleições realizadas em Portugal. O comício, que foi presidido pelo
professor Hermes Lima, contou com a colaboração dos emigrados políticos
portugueses Jaime Cortesão, Aniceto Monteiro e Lúcio Pinheiro dos Santos e,
entre inúmeras manifestações contrárias ao salazarismo, aprovou uma moção de
repúdio às últimas eleições portuguesas ocorridas (d).
Ações como as mencionadas anteriormente levaram a Embaixada de
Portugal no Brasil a entrar em contato com o Ministério das Relações Exteriores
do Brasil no sentido de conter "o caso dos desmandos da imprensa brasileira
em correlação com a propaganda e ação antipatriótica de certos dos nossos
'emigrados' políticos" (e). Neste sentido, a Embaixada encaminha um
memorando ao Ministério das Relações Exteriores apresentando os principais
nomes dos emigrados políticos que faziam oposição a Portugal naquele momento,
conforme segue:
Entre
esses emigrados destacam-se o antigo oficial da Armada Jayme de Morais,
conhecido agitador político e extremista, que chefiou uma sublevação contra as
atuais instituições portuguesas e se enfileirou depois nas hostes vermelhas da
Espanha donde fugiu para o Brasil; o Dr. Lucio dos Santos, velho
adversário do Estado Novo e que em todas as ocasiões "propícias" é
sempre o primeiro a aparecer para atacar e combater; o Dr. Thomás Colaço,
que veio para este país em missão de estudo munido de passaporte oficial e que
tinha um lugar rendoso em Portugal, para o qual fora nomeado pelo
Governo-Salazar, mas que no Brasil trocou aquela situação pela de emigrado e
adversário político... (f)
No memorando indicado anteriormente, a Embaixada do governo português
afirma que causa estranheza a publicação de tais artigos, tendo em vista que
"o Brasil é um país de instituições fortes e de imprensa controlada"
(g). Além desses aspectos, informa que não admite procedimentos semelhantes
junto à imprensa portuguesa, "não permitindo comentários descaroáveis aos
seus chefes e instituições políticas, e muito menos autorizando quaisquer
discussões sobre a sua política internacional" (h) e, por isso mesmo,
evidencia a necessidade de ações do governo brasileiro, visando a solução dos
problemas apontados, pois ao considerar a atual situação "como
perturbadora das boas relações existentes entre os dois governos e do fraternal
entendimento entre os respectivos povos" (i), deixa claro que a falta de
um posicionamento mais coercitivo por parte do governo brasileiro pode
acarretar em perdas nas relações luso-brasileiras.
Diante de uma situação tão tensa, a resposta do Ministério das
Relações Exteriores do Brasil é encaminhada com rapidez. No memorando,
confidencial, o ministro se defende argumentando que a ação dos emigrados
políticos de Portugal é feita "à revelia dos órgãos oficiais, na imprensa
do país, da qual se valem aqueles exilados para veiculá-las sem que, no entanto,
tivessem até hoje encontrado acolhida nos meios nacionais" (j). Em
decorrência desta argumentação, o ministro ainda chama a atenção para o fato de
que as relações luso-brasileiras não poderiam ficar estremecidas em virtude
dessas insinuações, de caráter político, elaboradas por tais elementos, afinal:
Essa
amizade entre os dois países, que nunca foi maior do que presentemente, não
importa qual seja a orientação política internacional de cada um, baseia-se,
sobretudo, num entendimento mútuo e no respeito pelas deliberações tomadas, as
quais, muito embora possam tomar rumos diferentes, não deixam de ser acatadas e
compreendidas, pois que essa norma de conduta constitui, no Brasil e em
Portugal, tradição histórica que o perpassar dos séculos e das gerações do
mesmo sangue não pode desmentir, mas, antes, dá-lhes força e vigor redobrados. (h)
A citação indicada anteriormente não deixa dúvidas sobre o
entrosamento existente entre o governo português e brasileiro. Resta destacar,
por fim, que em diversos momentos, o governo português se utilizou desta
amizade para vigiar e conter os excessos dos seus "insubmissos"
políticos no Brasil.
(…)
-
(a) Esta Sociedade também congregava membros da intelectualidade
brasileira; entre eles, citam-se: Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos,
Manuel Bandeira, Caio Prado Júnior, João Mangabeira de Holanda, Hermes Lima e
Castro Rebelo, José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Jorge Amado, Oswald de
Andrade, Raimundo Souza Dantas, Guilherme Figueiredo, Oscar Niemeyer, etc.
(b) Colónia portuguesa no Brasil contra Salazar. In: Jornal Correio da
Manhã, Rio de Janeiro, em 21 de novembro de 1945, p. 3.
(c) Idem.
(d) Telegrama da Embaixada de Portugal do Rio de Janeiro, em 22 de
novembro de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 47, Maço 119.
(e) Memorando, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro,
ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de
fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50. Maço 68.
(f) Memorando da Embaixada de Portugal encaminhado ao Ministério das
Relações Exteriores do Brasil, datado de 8 de fevereiro de 1942. Os grifos são
da Embaixada. Anexo ao Oficio, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro,
ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro
de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(g) Idem.
(h) Ibidem.
(i) Memorando da Embaixada de Portugal encaminhado ao Ministério das
Relações Exteriores do Brasil, datado de 8 de fevereiro de 1942. Os grifos são
da Embaixada. Anexo ao Ofício, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de
Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20
de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(j) Memorando, confidencial, do Ministério das Relações Exteriores do
Brasil à Embaixada de Portugal, de 11 de fevereiro de 1942. Anexo ao ofício,
reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do
Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M.
N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(h) Idem.
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Ver, ainda, da mesma autora:
A AÇÃO DOS DITOS INSUBMISSOS PORTUGUESES DURANTE O ESTADO NOVO NO BRASIL
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A AÇÃO DOS DITOS INSUBMISSOS PORTUGUESES DURANTE O ESTADO NOVO NO BRASIL
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domingo, 4 de dezembro de 2016
Proposta de renovação, por um ano, do contrato de Antônio Aniceto Ribeiro Monteiro, para desempenho da função de Regente de Análise Superior na Faculdade Nacional de Filosofia.
16.789-48 - (E. M. n.° 784, de 20-8-48, do D. A. S. P.). Processo PR
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Brasil, 1948: «Isto é um inferno...» (Carta a Guido Beck, de 28 de Julho de 1948, proveniente do Rio de Janeiro)
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«Trataremos agora do meu problema. Agradeço-lhe em primeiro lugar as boas
palavras de encorajamento que escreveu. Preciso antes de mais nada de
esclarecer a minha situação actual. O meu contrato, ou antes a sua renovação,
foi aprovado no Departamento de Matemática (Outubro de 1947), na Congregação da
Faculdade (Dez. 1947), no Conselho Universitário (Março de 1948), no Conselho
de Curadores da Universidade (Abril de 48), entrou no Ministério da Educação em
Maio, na Presidência da República em Junho e está agora no departamento
Administrativo do Serviço Público, que deve elaborar um parecer. Voltará à
Presidência da República para ser assinado e depois irá ao Ministério e finalmente
regressará à Universidade. Na realidade, em vista da autonomia da universidade,
tudo deveria estar terminado com a aprovação do Conselho de Curadores. Sob este
aspecto a Universidade não está porém disposta a ser autónoma, prefere ficar
subordinada ao Catete. Apesar de todas as aprovações anteriormente indicadas o
problema não está portanto resolvido e por isso não tenho recebido os meus
vencimentos, mas tenho continuado o meu serviço na Faculdade. A renovação do
contrato é anual. Isto significa que todos os anos estarei na mesma incerteza.
Estou convencido que na Universidade não haverá dificuldades, mas elas podem
vir de cima.»
(Carta a Guido Beck, de 31 de Julho de 1948, proveniente do Rio de Janeiro)
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