domingo, 11 de dezembro de 2016

Resistência, repressão e diplomacia nos anos 1940, no Rio de Janeiro (trecho de «ESTADO NOVO E RELAÇÕES LUSO-BRASILEIRAS (1937-1945)», de Carmem G. Burgert Schiavion)

«Tribuna Popular» de 21 de Março de 1946

(…)
Um outro exemplo desta oposição dos "insubmissos" portugueses ocorre por ocasião da fundação da Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa (a), no Rio de Janeiro, cujo objetivo principal consistia em "prestigiar, por todos os meios, os portugueses que dentro de Portugal ou no exilio desejam substituir o governo salazarista" (b), a qual faz publicar nos principais jornais do eixo Rio/São Paulo um manifesto que informa sobre a fundação da Sociedade e realiza afirmações no sentido de que a "fraternidade luso-brasileira se acha perigosamente ameaçada pela tendência fascista do Governo Português e que só num ambiente de legalidade e de liberdade em Portugal poderão as relações estabelecer-se sobre seus legítimos fundamentos" (c).
Além da atuação da Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa junto à imprensa brasileira, a instituição, em 18 de novembro de 1945, realizou um comício na sede da União Nacional, no Rio de Janeiro, em protesto contra as fraudes nas eleições realizadas em Portugal. O comício, que foi presidido pelo professor Hermes Lima, contou com a colaboração dos emigrados políticos portugueses Jaime Cortesão, Aniceto Monteiro e Lúcio Pinheiro dos Santos e, entre inúmeras manifestações contrárias ao salazarismo, aprovou uma moção de repúdio às últimas eleições portuguesas ocorridas (d).
Ações como as mencionadas anteriormente levaram a Embaixada de Portugal no Brasil a entrar em contato com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil no sentido de conter "o caso dos desmandos da imprensa brasileira em correlação com a propaganda e ação antipatriótica de certos dos nossos 'emigrados' políticos" (e). Neste sentido, a Embaixada encaminha um memorando ao Ministério das Relações Exteriores apresentando os principais nomes dos emigrados políticos que faziam oposição a Portugal naquele momento, conforme segue:

Entre esses emigrados destacam-se o antigo oficial da Armada Jayme de Morais, conhecido agitador político e extremista, que chefiou uma sublevação contra as atuais instituições portuguesas e se enfileirou depois nas hostes vermelhas da Espanha donde fugiu para o Brasil; o Dr. Lucio dos Santos, velho adversário do Estado Novo e que em todas as ocasiões "propícias" é sempre o primeiro a aparecer para atacar e combater; o Dr. Thomás Colaço, que veio para este país em missão de estudo munido de passaporte oficial e que tinha um lugar rendoso em Portugal, para o qual fora nomeado pelo Governo-Salazar, mas que no Brasil trocou aquela situação pela de emigrado e adversário político... (f)

No memorando indicado anteriormente, a Embaixada do governo português afirma que causa estranheza a publicação de tais artigos, tendo em vista que "o Brasil é um país de instituições fortes e de imprensa controlada" (g). Além desses aspectos, informa que não admite procedimentos semelhantes junto à imprensa portuguesa, "não permitindo comentários descaroáveis aos seus chefes e instituições políticas, e muito menos autorizando quaisquer discussões sobre a sua política internacional" (h) e, por isso mesmo, evidencia a necessidade de ações do governo brasileiro, visando a solução dos problemas apontados, pois ao considerar a atual situação "como perturbadora das boas relações existentes entre os dois governos e do fraternal entendimento entre os respectivos povos" (i), deixa claro que a falta de um posicionamento mais coercitivo por parte do governo brasileiro pode acarretar em perdas nas relações luso-brasileiras.
Diante de uma situação tão tensa, a resposta do Ministério das Relações Exteriores do Brasil é encaminhada com rapidez. No memorando, confidencial, o ministro se defende argumentando que a ação dos emigrados políticos de Portugal é feita "à revelia dos órgãos oficiais, na imprensa do país, da qual se valem aqueles exilados para veiculá-las sem que, no entanto, tivessem até hoje encontrado acolhida nos meios nacionais" (j). Em decorrência desta argumentação, o ministro ainda chama a atenção para o fato de que as relações luso-brasileiras não poderiam ficar estremecidas em virtude dessas insinuações, de caráter político, elaboradas por tais elementos, afinal:

Essa amizade entre os dois países, que nunca foi maior do que presentemente, não importa qual seja a orientação política internacional de cada um, baseia-se, sobretudo, num entendimento mútuo e no respeito pelas deliberações tomadas, as quais, muito embora possam tomar rumos diferentes, não deixam de ser acatadas e compreendidas, pois que essa norma de conduta constitui, no Brasil e em Portugal, tradição histórica que o perpassar dos séculos e das gerações do mesmo sangue não pode desmentir, mas, antes, dá-lhes força e vigor redobrados. (h)

A citação indicada anteriormente não deixa dúvidas sobre o entrosamento existente entre o governo português e brasileiro. Resta destacar, por fim, que em diversos momentos, o governo português se utilizou desta amizade para vigiar e conter os excessos dos seus "insubmissos" políticos no Brasil.
(…)
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(a) Esta Sociedade também congregava membros da intelectualidade brasileira; entre eles, citam-se: Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Caio Prado Júnior, João Mangabeira de Holanda, Hermes Lima e Castro Rebelo, José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Jorge Amado, Oswald de Andrade, Raimundo Souza Dantas, Guilherme Figueiredo, Oscar Niemeyer, etc.
(b) Colónia portuguesa no Brasil contra Salazar. In: Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 21 de novembro de 1945, p. 3.
(c) Idem.
(d) Telegrama da Embaixada de Portugal do Rio de Janeiro, em 22 de novembro de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 47, Maço 119.
(e) Memorando, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50. Maço 68.
(f) Memorando da Embaixada de Portugal encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, datado de 8 de fevereiro de 1942. Os grifos são da Embaixada. Anexo ao Oficio, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(g) Idem.
(h) Ibidem.
(i) Memorando da Embaixada de Portugal encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, datado de 8 de fevereiro de 1942. Os grifos são da Embaixada. Anexo ao Ofício, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(j) Memorando, confidencial, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil à Embaixada de Portugal, de 11 de fevereiro de 1942. Anexo ao ofício, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(h) Idem.
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