segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Prefácio à Portugaliae Mathematica


A primeira revista portuguesa consagrada exclusivamente às Ciências Matemáticas foi o Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas, fundado, em 1877, pelo ilustre matemático Francisco Gomes Teixeira, de que foram publicados 14 volumes e que foi continuado em 1905 pelos Annaes Scientificos da Academia Polytecnica do Porto, publicados ainda sob a direcção do mesmo geómetra. Nos princípios deste século deixa, portanto, de existir em Portugal uma revista de carácter puramente matemático, precisamente na altura em que as ciências matemáticas iam entrar numa fase de grande desenvolvimento que nos vinte anos seguintes (de 1920 a 1940) toma o aspecto de uma corrente vertiginosa. É certo que durante este período se fundaram em Portugal várias revistas em que se publicaram trabalhos de matemática, mas a dispersão dos trabalhos portugueses de matemática por periódicos não especializados, nacionais ou estrangeiros, tem graves inconvenientes. O desenvolvimento da Ciência tem mostrado a necessidade imperiosa de se proceder a uma organização racional das publicações científicas. Na maior parte dos países não tem havido o cuidado de se proceder a uma tal organização com graves prejuízos para a Ciência, de uma maneira geral, e para a cultura dos diversos países, em particular. Julgamos por isso que o aparecimento  da revista Portugaliae Mathematica, consagrada exclusivamente às ciências matemáticas, contribuirá para o desenvolvimento dos estudos matemáticos em Portugal.
A Portugaliae Mathematica procurando arquivar nas suas páginas todos os trabalhos portugueses inéditos ou publicados nas revistas nacionais e estrangeiras contribuirá para dar uma idéia justa do movimento matemático em Portugal. A Portugaliae Mathematica procurará também contribuir para a cooperação internacional no campo das ciências matemáticas publicando trabalhos de matemáticos de outros países.
Ao Instituto para a Alta Cultura se deve a possibilidade de realização deste empreendimento, pelo auxílio financeiro e apoio moral concedidos desde o ano de 1936 em que se começou a impressão do primeiro fascículo desta revista.
O primeiro volume da Portugaliae Mathematica apareceu no período de 1937-1940. A partir do ano de 1941 será publicado um volume por ano com cerca de 300 páginas.
No período de organização da revista (1936-1940) houve que vencer inúmeras dificuldades. Quase desde a primeira hora encontrámos na cooperação dedicada de José da Silva Paulo um estímulo para a realização das primeiras tarefas. Mais tarde vêm em nosso auxílio Manuel Zaluar Nunes e Hugo Ribeiro, num momento em que as dificuldades e as tarefas se acumulavam. Uma distribuição racional do trabalho de organização deu nesse momento um impulso decisivo à revista. No momento em que termina a publicação do primeiro volume desta revista é justo recordar que esta tarefa se deve à dedicação destes três colaboradores  que, em centenas de horas de trabalho souberam montar e realizar os complexos serviços necessários a um empreendimento desta natureza.
Ao Pessoal técnico da «Imprensa Portuguesa» e em especial ao da «Sociedade Industrial de Tipografia Limitada» há que agradecer os esforços realizados no sentido de melhorar o aspecto gráfico desta revista.
Possa o Instituto para a Alta Cultura considerar como manifestação do nosso reconhecimento, os esforços que têm sido e continuarão a ser feitos no sentido de transformar esta revista num verdadeiro órgão da cultura matemática portuguesa.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Os objectivos da Junta de Investigação Matemática


por António Aniceto Monteiro 

[Porto, 1944. Esta foi uma das Palestras da JIM lidas ao microfone da Rádio Club Lusitânia, corajosamente cedido pelo proprietário. Foram oradores: Ruy Luís Gomes, António Monteiro, Corino de Andrade, Branquinho de Oliveira, Fernando Pinto Loureiro, José Antunes Serra, António Júdice, Armando de Castro, Carlos Teixeira e Flávio Martins.]
O aparecimento da ciência moderna foi determinado pela revolução industrial do século XVIII e por isso o pensamento científico teve a sua origem na vida da Indústria e não na vida das Universidades.
As Universidades eram, nessa época, centros de cultura humanista impenetráveis ao Renascimento Científico. A educação e a Investigação científica eram realizadas em organismos especialmente criados para esse fim. As instituições cuja actividade mais ilustraram a história da ciência francesa, por exemplo, do século XVI até aos fins do século XIX foram: o Colégio do Rei (fundado em 1530) que mais tarde seria o Colégio de França, o Jardim do Rei, a Escola de Pontes e Calçadas, a Escola de Minas, o Observatório de Paris, a Escola de Artilharia, a Academia das Ciências, a Academia de Arquitectura, a Academia de Cirurgia, a Escola Politécnica, a Escola Normal Superior, etc., etc.
Só depois da revolução industrial ter posto em evidência a importância da ciência é que ela penetrou nas Universidades, com uma lentidão que arrepia quando considerada a distância. Para ilustrar esta afirmação, basta notar que nos princípios do século XIX (mais precisamente em 1802) se exigiam para a entrada na Universidade de Harvard, na América do Norte, conhecimentos de Aritmética que não iam além da regra de três simples, e que na Alemanha o ensino das matemáticas elementares só passou das Universidades para os liceus entre 1810 e 1830. Mesmo em França, é preciso chegar aos fins do século XIX para que, com a Terceira República, as Universidades possam rivalizar com as chamadas Grandes Escolas.
No século XX a investigação científica aparece como um factor que desempenha um papel de primeiro plano na estruturação da vida das nações.
Nos países em que as Universidades não estiverem directamente ligadas e interessadas na resolução dos problemas fundamentais da vida económica da Nação, elas não podem desempenhar o papel de centros propulsores do progresso científico. Por isso as Universidades dos países mais avançados modificaram profundamente a sua feição, durante o século XX, com a criação de Seminários, Institutos, Centros de Estudo e Laboratórios destinados a transformá-las em grandes centros de investigação.
O facto da actividade científica ter crescido vertiginosamente nas últimas décadas, deu origem a numerosos problemas de organização difíceis de resolver. Um dos problemas mais discutidos e dos mais importantes é o das relações entre o ensino e a investigação. É um facto indiscutível que as Universidades não podem, só por si, atacar a resolução de todos os problemas que a vida põe, à Ciência, em cada época. Por isso, entre as duas grandes guerras deste século, se acentuou a tendência para organizar a investigação científica como um serviço público independente. A criação recente em Portugal, da Estação Agronómica Nacional, é um exemplo particular desta afirmação. Trata-se na realidade da transposição duma prática corrente na vida das grandes empresas industriais, em que um pessoal cientifico especialízado realiza, em laboratórios e institutos especiais, as pesquisas necessárias à vida dessas empresas. Mas se pensamos que a investigação científica deve ser organizada como um serviço público independente, e que só assim ela pode ser eficiente, no mundo de amanhã, isto não quer dizer que ela deva ser um privilégio desses serviços.
Ser investigador é um dever de todo o cidadão consciente das suas responsabilidades perante a sociedade, porque ser investigador é adoptar uma atitude crítica, perante a vida e o conhecimento, para chegar a novas conclusões.
Mas é claro que para investigar, em certos capítulos da ciência, é necessária uma preparação especial, um longo treino, uma escola. As Universidades têm, sob este aspecto, um papel importante a desempenhar, mas para isso é necessário que o ensino não vise exclusivamente a transmissão de conhecimentos, isto é, que ele não seja um ensino erudito e portanto estéril e infecundo.
Existem, na realidade, investigadores sem qualidades para o ensino; mas nenhum professor poderá iluminar as suas lições com cores vivas e profundas se não tiver vivido os problemas que trata, se não tiver investigado na disciplina que professa.
Torna-se necessário coordenar a actividade das Universidades e dos Institutos de Investigação com o objectivo de aumentar o rendimento da produção científica e facilitar a formação de quadros de investigadores.
Para realizar o apetrechamento intelectual do nosso país, em condições que permitem orientar com eficiência as actividades económicas para a libertação material do homem, é necessário organizar um plano adequado em que a clareza de visão se alie à viabilidade de execução.
Vamos indicar, em breves palavras, a importância da cultura matemática no apetrechamento intelectual do país.
A matemática – ou a ciência do cálculoé um método geral de pensamento aplicável a todas as disciplinas e desempenha portanto um papel dominante na ciência moderna.
A grande obra científica do século XVII foi a organização da Mecânica numa ciência em que é possível prever os fenómenos por meio do cálculo matemático. Esta conquista, a que está ligado o grandioso nome de Newton, criou uma base científica segura para a ciência das máquinas a vapor; para citar um exemplo cuja importância é desnecessário realçar. A Química transformou-se, no século XVIII, numa ciência em que o cálculo é possível e esta grande conquista da ciência desse século, foi a base fundamental para o desenvolvimento da Indústria Química. No século XIX a Física Matemática criou as bases científicas necessárias para o desenvolvimento da grande indústria. O século XX será possivelmente o século da Biologia Matemática. Podemos, em qualquer caso, afirmar que assistimos a uma verdadeira matematização de todos os ramos da ciência.
A Matemática aparece assim como uma disciplina fundamental de cujo progresso depende, em grande parte, o desenvolvimento de muitas outras. Prestar a devida atenção a esta circunstancia não é um acto de justiça é antes um acto de prudência e elementar bom senso.
É difícil descrever, exactamente, o estado em que se encontra a cultura matemática portuguesa, mas o mais importante é, como se compreende facilmente, comparar o ritmo do seu desenvolvimento com o dos países mais avançados. Encarada a questão sob este aspecto crucial, podemos afirmar que o movimento matemático português se caracteriza por um atrazo crescente em relação ao movimento matemático internacional.
No interesse da cultura, que é o interesse do país, é preciso olhar de frente para esta situação e tirar as consequências necessárias. Para desenvolver e actualizar a cultura matemática portuguesa, em condições que garantam a continuidade e eficiência da obra a realizar, é necessário subordinar essa tarefa a um plano de conjunto traçado com largas perspectivas.
Os matemáticos portugueses conscientes das suas responsabilidades perante o país e perante a cultura, resolveram unir-se para a realização das missões que o dever lhes impõe.
Em 4 de Outubro de 1943, um grupo – de investigadores portugueses fundou a Junta de Investigação Matemática e definiu os seus principais objectivos nos seguintes termos:
1.ºPromover o desenvolvimento da investigação matemática;
2.º  – Realizar os trabalhos de investigação necessários à economia da Nação e ao desenvolvimento das outras ciências;
3.°Sistematizar e coordenar a inquirição dos matemáticos portugueses;
4,°Vincular o movimento matemático português com o dos outros países e, em especial, com o dos países ibero-americanos;
5.° – Despertar na juventude estudiosa portuguesa o entusiasmo pela investigação matemática e a fé na sua capacidade criadora.
Os mesmos investigadores convidaram todas as pessoas interessadas a ingressarem neste agrupamento.
Estão hoje reunidos nesta Junta de Investigação Matemática a quase totalidade dos investigadores portugueses que têm dado provas de capacidade, grande dedicação e interesse efectivo pela desenvolvimento da cultura matemática portuguesa. Trata-se portanto duma organização que representa as forças vitais dessa cultura; o que revela a existência duma consciência profunda dos problemas da hora presente.
As ciências matemáticas tem um grande papel a desempenhar na construção dum Portugal feliz e progressivo, A Indústria, a Agricultura, a Metereologia, a Aviação, a Navegação, a Estatística, os Seguros, a Engenharia, as Finanças, são baseadas no cálculo matemático.
Criar as bases fundamentais para o aperfeiçoamento e actualização da nossa cultura matemática é uma tarefa gigantesca que só pode ser realizada por vontades disciplinadas que saibam subordinar o interesse individual ao interesse colectivo.
Quando os matemáticos portugueses, sem serem solicitados, sem serem forçados, mas animados do grande desejo de servir a Nação, fundaram a Junta de Investigação Matemática, disseram ao país; para cumprir os nossos deveres, estamos presentes.