Origem e objectivo desta Secção
Pensou-se
há algum tempo em publicar um jornal — que teria por título Movimento Matemático — destinado a lançar uma campanha para
uma reforma dos estudos matemáticos em Portugal e a fazer a propaganda das
principais correntes do movimento matemático moderno.
Parece-me
evidente a necessidade de publicar um tal jornal precisamente porque o nosso
país anda longe das correntes vitais do pensamento matemático moderno e porque
o nosso ensino das ciências matemáticas necessita de uma remodelação completa;
remodelação dos programas de estudo, da organização da licenciatura em
Ciências Matemáticas, da preparação dos professores do ensino secundário, das
provas de doutoramento e dos métodos de recrutamento do pessoal docente
universitário.
É
indiscutível que assistimos hoje no nosso país a uma verdadeira efervescência
de actividade no campo das ciências matemáticas. Demonstram esta afirmação o aparecimento
sucessivo no curto prazo de cinco anos de 1.º) Portugaliae
Mathematica, fundada em 1937; 2.º) Seminário
Matemático de Lisboa (1938) que toma em Novembro de 1939 o nome de Seminário de Análise Geral; 3.º) Centro de Estudos de Matemáticas
Aplicadas à Economia, fundado pelo 1.º Grupo do Instituto Superior de Ciências
Económicas e Financeiras (1938); 4.º) Gazeta de Matemática,
Janeiro de 1939; 5.º) Centro de Estudos Matemáticos
de Lisboa, fundado pelo Instituto para a Alta Cultura em Fevereiro
de 1940; 6.º) Sociedade Portuguesa de Matemática,
Dezembro de 1940; 7.º) Centro de Estudos
Matemáticos do Porto, fundado pelo Instituto para a Alta Cultura em
Fevereiro de 1942.
Anuncia-se
para breve a publicação do Boletim da Sociedade
Portuguesa de Matemática, das Publicações da Secção de
Matemática da Faculdade de Ciências do Porto e de uma colecção de Estudos de Matemática; projecta-se a criação de um Estúdio de Matemática em Lisboa.
Todas estas
organizações e publicações trabalham per um ressurgimento da cultura matemática
portuguesa!
Se tudo
isto é muito animador e nos permite ter esperanças num triunfo mais ou menos
próximo, não devemos ter ilusões de espécie alguma sobre as dificuldades que
nos esperam!
Há que
contar — isto é de todos os tempos! — com um recrudescimento da hostilidade da
ignorância e da má fé; da hostilidade daqueles para quem a estagnação ou a
decadência da nossa cultura matemática é a condição necessária para a
realização de objectivos que nada têm que ver com as ciências matemáticas,
daqueles que tremem perante a ideia da existência de uma juventude estudiosa
consagrando inteiramente a sua vida e o seu entusiasmo a uma causa pela qual
eles nunca lutaram — porque o esforço e a diligência no estudo revelam de uma
maneira evidente os erros do passado e as deficiências do presente — da má fé
daqueles que apregoam um interesse e um entusiasmo pelo desenvolvimento da
cultura matemática que são desmentidos categoricamente pela sua actuação
presente, da má fé daqueles que consideram como revelações de inteligência e de
capacidade a adoração da rotina que o uso consagrou e de que eles são por
vezes os mais legítimos representantes; há que contar ainda com a ignorância (e
que enciclopédica ignorância!) daqueles que afirmam que o nosso país está perfeitissimamente
ao corrente do movimento matemático moderno, que a nível dos nossos estudos matemáticos
se pode por a par do dos países mais avançados, e finalmente há que contar com
a indiferença (que estranha e cómoda indiferença!) daqueles que dizem que no
nosso país não há nada a fazer, que os portugueses são incapazes de realizar
um esforço persistente e continuado e que portanto são incapazes de contribuir
para o progresso das ciências matemáticas!
Pensamos
que o aparecimento destas manifestações, deve servir apenas para nos indicar
que seguimos pelo bom caminho — porque a cada tarefa realizada a reacção deve
aumentar — e que nunca devemos desviar a nossa atenção do trabalho metódico e
persistente para controvérsias de carácter duvidoso.
É
precisamente pelo estudo, pelo trabalho de investigação e pela propaganda das
matemáticas, que se pode preparar o ressurgimento dos estudos matemáticos em
Portugal, mas importa evidentemente orientar a nossa actuação pelas lições que
nos são dadas pela nossa experiência e pela experiência das outras nações. Há
que definir um rumo, e segui-lo enquanto a experiência mostrar que estamos no
bom caminho!
O
desenvolvimento rápido da Gazeta de Matemática
— em particular a partir do início do presente ano lectivo — tornou possível o
alargamento imediato da sua acção cultural e daí nasceu a ideia — para evitar
uma dispersão de esforços que o momento actual não permite — de criar na Gazeta uma secção em que se desenvolveria a pouco e pouco o
plano de acção que se pretendia realizar no Movimento Matemático. É esta a
origem desta secção que se iniciou no n.º 9 da Gazeta.
Infelizmente
a situação actual da Gazeta não permite
ainda dar a esta secção todo o desenvolvimento que era necessário. Por isso
temos que nos limitar a assinalar aos leitores deste número as realizações e
iniciativas de valor cultural sob o ponto de vista matemático de que temos
conhecimento. Esperamos que em breve seja possível, por meio da colaboração
efectiva de todas as pessoas interessadas no desenvolvimento da cultura
matemática, lançar uma campanha para uma reforma dos estudos matemáticos em
Portugal e fazer a propaganda das principais correntes do movimento matemático
moderno.
ANTÓNIO
MONTEIRO