segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

JOSÉ LEITE LOPES: excerto de «idéias e paixões»

Leite Lopes e Monteiro numa fotografia dos anos 1945-1949
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Quando voltei de Princeton, em 1946, eu morava em uma pensão, chamada Pensão Internacional, em Santa Tereza, que eram as ruínas do Hotel Internacional, onde se havia hospedado a grande bailarina Isadora Duncan, pelo que me disseram. Eu me casei em julho de 46 e voltei para o Rio (ver RIO), para um quarto de apartamento em Copacabana. Havia um matemático português, Antônio Aniceto Monteiro, que morava nesta pensão, que achou que eu deveria ir para lá e eu fui com a minha mulher. O lugar era muito aprazível; um lugar alto e fazia uma diferença de dois três graus com relação ao resto da cidade, o que era muito importante no verão. Lá habitava o famoso casal Arpád Szenes e Maria Helena Vieira da Silva. A Vieira da Silva tornou-se depois uma das maiores pintoras na França. Eles vieram para cá refugiados da guerra. Havia também o pintor Carlos Scliar, que acabava de regressar da Europa, onde tinha participado da guerra como integrante da Força Expedicionária Brasileira. Havia um crítico de Arte chamado Rubem Navarra, que depois foi para a França e parece que enlouqueceu e morreu prematuramente. Uma aluna de Arpád, uma americana, fez um retrato a óleo de minha mulher Carmita, que é uma beleza e até hoje está na casa de meu filho mais velho, José Sérgio. Havia também um casal amigo, Adolpho e Ana Soares, que eram ceramistas, e que nos visitavam muito na Pensão Internacional. Aliás, nos fins de semana, iam à pensão poetas e escritores como Manuel Bandeira, Murilo Mendes e sua mulher, Maria da Saudade Cortesão, a famosa Cecília Meirelles e seu esposo Heitor Grillo, o poeta Ascenso Ferreira (ver POESIA). Iam todos visitar Maria Helena e Arpád Szenes. Eu morava num quarto em cima do deles e descia para ouvir música de quarteto, as músicas de Debussy, de Bach (ver BACH) e era uma delícia! Influenciado por essas coisas todas, pelo convívio com esses pintores e artistas, fui me interessando, cada vez mais, pelas Artes.
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Uma beleza a pintura (ver BELEZA)! Eu travei contato com a pintura quando vim ao Rio de Janeiro e me hospedei na Pensão Internacional, com a minha mulher (ver AMOR). Eu tinha acabado de casar, e lá estava um casal famoso de pintores: Arpád Szenes, que era um pintor de nacionalidade húngara, mas radicado em Paris, e sua mulher Maria Helena Vieira da Silva, nascida em Portugal, mas também residente em Paris. Ambos eram muito famosos como grandes pintores, e tinham fugido de Paris com a ocupação alemã e estavam instalados na Pensão
Internacional em Santa Teresa, para onde me levou o matemático português Antonio Aniceto Monteiro, que também estava hospedado lá. Também estava lá Carlos Scliar, um grande pintor brasileiro, e então foi o meu primeiro contato com a pintura. Eu via lá o Arpád que dava aulas de pintura e tinha alunas americanas e Maria Helena, separada dele, evidentemente em outro atelier, para um não influenciar o outro.
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domingo, 11 de dezembro de 2016

Resistência, repressão e diplomacia nos anos 1940, no Rio de Janeiro (trecho de «ESTADO NOVO E RELAÇÕES LUSO-BRASILEIRAS (1937-1945)», de Carmem G. Burgert Schiavion)

«Tribuna Popular» de 21 de Março de 1946

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Um outro exemplo desta oposição dos "insubmissos" portugueses ocorre por ocasião da fundação da Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa (a), no Rio de Janeiro, cujo objetivo principal consistia em "prestigiar, por todos os meios, os portugueses que dentro de Portugal ou no exilio desejam substituir o governo salazarista" (b), a qual faz publicar nos principais jornais do eixo Rio/São Paulo um manifesto que informa sobre a fundação da Sociedade e realiza afirmações no sentido de que a "fraternidade luso-brasileira se acha perigosamente ameaçada pela tendência fascista do Governo Português e que só num ambiente de legalidade e de liberdade em Portugal poderão as relações estabelecer-se sobre seus legítimos fundamentos" (c).
Além da atuação da Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa junto à imprensa brasileira, a instituição, em 18 de novembro de 1945, realizou um comício na sede da União Nacional, no Rio de Janeiro, em protesto contra as fraudes nas eleições realizadas em Portugal. O comício, que foi presidido pelo professor Hermes Lima, contou com a colaboração dos emigrados políticos portugueses Jaime Cortesão, Aniceto Monteiro e Lúcio Pinheiro dos Santos e, entre inúmeras manifestações contrárias ao salazarismo, aprovou uma moção de repúdio às últimas eleições portuguesas ocorridas (d).
Ações como as mencionadas anteriormente levaram a Embaixada de Portugal no Brasil a entrar em contato com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil no sentido de conter "o caso dos desmandos da imprensa brasileira em correlação com a propaganda e ação antipatriótica de certos dos nossos 'emigrados' políticos" (e). Neste sentido, a Embaixada encaminha um memorando ao Ministério das Relações Exteriores apresentando os principais nomes dos emigrados políticos que faziam oposição a Portugal naquele momento, conforme segue:

Entre esses emigrados destacam-se o antigo oficial da Armada Jayme de Morais, conhecido agitador político e extremista, que chefiou uma sublevação contra as atuais instituições portuguesas e se enfileirou depois nas hostes vermelhas da Espanha donde fugiu para o Brasil; o Dr. Lucio dos Santos, velho adversário do Estado Novo e que em todas as ocasiões "propícias" é sempre o primeiro a aparecer para atacar e combater; o Dr. Thomás Colaço, que veio para este país em missão de estudo munido de passaporte oficial e que tinha um lugar rendoso em Portugal, para o qual fora nomeado pelo Governo-Salazar, mas que no Brasil trocou aquela situação pela de emigrado e adversário político... (f)

No memorando indicado anteriormente, a Embaixada do governo português afirma que causa estranheza a publicação de tais artigos, tendo em vista que "o Brasil é um país de instituições fortes e de imprensa controlada" (g). Além desses aspectos, informa que não admite procedimentos semelhantes junto à imprensa portuguesa, "não permitindo comentários descaroáveis aos seus chefes e instituições políticas, e muito menos autorizando quaisquer discussões sobre a sua política internacional" (h) e, por isso mesmo, evidencia a necessidade de ações do governo brasileiro, visando a solução dos problemas apontados, pois ao considerar a atual situação "como perturbadora das boas relações existentes entre os dois governos e do fraternal entendimento entre os respectivos povos" (i), deixa claro que a falta de um posicionamento mais coercitivo por parte do governo brasileiro pode acarretar em perdas nas relações luso-brasileiras.
Diante de uma situação tão tensa, a resposta do Ministério das Relações Exteriores do Brasil é encaminhada com rapidez. No memorando, confidencial, o ministro se defende argumentando que a ação dos emigrados políticos de Portugal é feita "à revelia dos órgãos oficiais, na imprensa do país, da qual se valem aqueles exilados para veiculá-las sem que, no entanto, tivessem até hoje encontrado acolhida nos meios nacionais" (j). Em decorrência desta argumentação, o ministro ainda chama a atenção para o fato de que as relações luso-brasileiras não poderiam ficar estremecidas em virtude dessas insinuações, de caráter político, elaboradas por tais elementos, afinal:

Essa amizade entre os dois países, que nunca foi maior do que presentemente, não importa qual seja a orientação política internacional de cada um, baseia-se, sobretudo, num entendimento mútuo e no respeito pelas deliberações tomadas, as quais, muito embora possam tomar rumos diferentes, não deixam de ser acatadas e compreendidas, pois que essa norma de conduta constitui, no Brasil e em Portugal, tradição histórica que o perpassar dos séculos e das gerações do mesmo sangue não pode desmentir, mas, antes, dá-lhes força e vigor redobrados. (h)

A citação indicada anteriormente não deixa dúvidas sobre o entrosamento existente entre o governo português e brasileiro. Resta destacar, por fim, que em diversos momentos, o governo português se utilizou desta amizade para vigiar e conter os excessos dos seus "insubmissos" políticos no Brasil.
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(a) Esta Sociedade também congregava membros da intelectualidade brasileira; entre eles, citam-se: Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Caio Prado Júnior, João Mangabeira de Holanda, Hermes Lima e Castro Rebelo, José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Jorge Amado, Oswald de Andrade, Raimundo Souza Dantas, Guilherme Figueiredo, Oscar Niemeyer, etc.
(b) Colónia portuguesa no Brasil contra Salazar. In: Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 21 de novembro de 1945, p. 3.
(c) Idem.
(d) Telegrama da Embaixada de Portugal do Rio de Janeiro, em 22 de novembro de 1945. M. N. E., 2º piso, Armário 47, Maço 119.
(e) Memorando, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50. Maço 68.
(f) Memorando da Embaixada de Portugal encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, datado de 8 de fevereiro de 1942. Os grifos são da Embaixada. Anexo ao Oficio, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(g) Idem.
(h) Ibidem.
(i) Memorando da Embaixada de Portugal encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, datado de 8 de fevereiro de 1942. Os grifos são da Embaixada. Anexo ao Ofício, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(j) Memorando, confidencial, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil à Embaixada de Portugal, de 11 de fevereiro de 1942. Anexo ao ofício, reservado, da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1942. M. N. E., 2º piso, Armário 50, Maço 68.
(h) Idem.
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domingo, 4 de dezembro de 2016

Centro de Estudos Matemáticos de Coimbra, 1938: um projecto (Mária Correia de Almeida)

Proposta de renovação, por um ano, do contrato de Antônio Aniceto Ribeiro Monteiro, para desempenho da função de Regente de Análise Superior na Faculdade Nacional de Filosofia.

 
16.789-48 - (E. M. n.° 784, de 20-8-48, do D. A. S. P.). Processo PR
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«A minha situação continua na mesma ou antes está cada vez pior. Este mês não recebi ordenado e não sei como vou pagar a renda da casa dentro de 3 dias bem como o ordenado da empregada. Já devo 4 ou 5 meses de mensalidades no colégio de meus filhos. Isto é um inferno e estou cada vez mais desesperado com os meus colegas que nada fazem para apressar a resolução do problema. O contrato está neste momento no DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) e ainda tem que voltar para a Presidência da República. Se não se resolve tudo isto dentro de 15 dias estarei até ao fim de Setembro sem vencimentos, porque não receberei no fim de Agosto. Neste momento a Faculdade já me deve 25 contos de ordenados. O meu crédito está praticamente esgotado. Não sei a quem pedir dinheiro. Um inferno que você conhece bem.»
Brasil, 1948: «Isto é um inferno...» (Carta a Guido Beck, de 28 de Julho de 1948, proveniente do Rio de Janeiro)
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«Trataremos agora do meu problema. Agradeço-lhe em primeiro lugar as boas palavras de encorajamento que escreveu. Preciso antes de mais nada de esclarecer a minha situação actual. O meu contrato, ou antes a sua renovação, foi aprovado no Departamento de Matemática (Outubro de 1947), na Congregação da Faculdade (Dez. 1947), no Conselho Universitário (Março de 1948), no Conselho de Curadores da Universidade (Abril de 48), entrou no Ministério da Educação em Maio, na Presidência da República em Junho e está agora no departamento Administrativo do Serviço Público, que deve elaborar um parecer. Voltará à Presidência da República para ser assinado e depois irá ao Ministério e finalmente regressará à Universidade. Na realidade, em vista da autonomia da universidade, tudo deveria estar terminado com a aprovação do Conselho de Curadores. Sob este aspecto a Universidade não está porém disposta a ser autónoma, prefere ficar subordinada ao Catete. Apesar de todas as aprovações anteriormente indicadas o problema não está portanto resolvido e por isso não tenho recebido os meus vencimentos, mas tenho continuado o meu serviço na Faculdade. A renovação do contrato é anual. Isto significa que todos os anos estarei na mesma incerteza. Estou convencido que na Universidade não haverá dificuldades, mas elas podem vir de cima.»
(Carta a Guido Beck, de 31 de Julho de 1948, proveniente do Rio de Janeiro)