sexta-feira, 29 de abril de 2016

Origem e objectivo desta Secção (MOVIMENTO MATEMÁTICO)


Origem e objectivo desta Secção


Pensou-se há algum tempo em publicar um jornal — que teria por título Movimento Matemático — des­tinado a lançar uma campanha para uma reforma dos estudos matemáticos em Portugal e a fazer a pro­paganda das principais correntes do movimento ma­temático moderno.
Parece-me evidente a necessidade de publicar um tal jornal precisamente porque o nosso país anda longe das correntes vitais do pensamento matemá­tico moderno e porque o nosso ensino das ciências matemáticas necessita de uma remodelação completa; remodelação dos programas de estudo, da organiza­ção da licenciatura em Ciências Matemáticas, da pre­paração dos professores do ensino secundário, das provas de doutoramento e dos métodos de recrutamento do pessoal docente universitário.
É indiscutível que assistimos hoje no nosso país a uma verdadeira efervescência de actividade no campo das ciências matemáticas. Demonstram esta afirma­ção o aparecimento sucessivo no curto prazo de cinco anos de 1.º) Portugaliae Mathematica, fundada em 1937; 2.º) Seminário Matemático de Lisboa (1938) que toma em Novembro de 1939 o nome de Seminá­rio de Análise Geral; 3.º) Centro de Estudos de Ma­temáticas Aplicadas à Economia, fundado pelo 1.º Grupo do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (1938); 4.º) Gazeta de Matemática, Ja­neiro de 1939; 5.º) Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa, fundado pelo Instituto para a Alta Cul­tura em Fevereiro de 1940; 6.º) Sociedade Portu­guesa de Matemática, Dezembro de 1940; 7.º) Centro de Estudos Matemáticos do Porto, fundado pelo Instituto para a Alta Cultura em Fevereiro de 1942.
Anuncia-se para breve a publicação do Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática, das Publica­ções da Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto e de uma colecção de Estudos de Matemática; projecta-se a criação de um Estúdio de Matemática em Lisboa.
Todas estas organizações e publicações trabalham per um ressurgimento da cultura matemática portu­guesa!
Se tudo isto é muito animador e nos permite ter esperanças num triunfo mais ou menos próximo, não devemos ter ilusões de espécie alguma sobre as dificuldades que nos esperam!
Há que contar — isto é de todos os tempos! — com um recrudescimento da hostilidade da ignorância e da má fé; da hostilidade daqueles para quem a estagnação ou a decadência da nossa cultura matemá­tica é a condição necessária para a realização de objectivos que nada têm que ver com as ciências ma­temáticas, daqueles que tremem perante a ideia da existência de uma juventude estudiosa consagrando inteiramente a sua vida e o seu entusiasmo a uma causa pela qual eles nunca lutaram — porque o es­forço e a diligência no estudo revelam de uma ma­neira evidente os erros do passado e as deficiências do presente — da má fé daqueles que apregoam um interesse e um entusiasmo pelo desenvolvimento da cultura matemática que são desmentidos categoricamente pela sua actuação presente, da má fé daqueles que consideram como revelações de inteligência e de capacidade a adoração da rotina que o uso consa­grou e de que eles são por vezes os mais legítimos representantes; há que contar ainda com a ignorância (e que enciclopédica ignorância!) daqueles que afirmam que o nosso país está perfeitissimamente ao corrente do movimento matemático moderno, que a nível dos nossos estudos matemáticos se pode por a par do dos países mais avançados, e finalmente há que contar com a indiferença (que estranha e có­moda indiferença!) daqueles que dizem que no nosso país não há nada a fazer, que os portugueses são in­capazes de realizar um esforço persistente e conti­nuado e que portanto são incapazes de contribuir para o progresso das ciências matemáticas!
Pensamos que o aparecimento destas manifesta­ções, deve servir apenas para nos indicar que se­guimos pelo bom caminho — porque a cada tarefa realizada a reacção deve aumentar — e que nunca devemos desviar a nossa atenção do trabalho me­tódico e persistente para controvérsias de carácter duvidoso.
É precisamente pelo estudo, pelo trabalho de in­vestigação e pela propaganda das matemáticas, que se pode preparar o ressurgimento dos estudos matemáticos em Portugal, mas importa evidentemente orientar a nossa actuação pelas lições que nos são dadas pela nossa experiência e pela experiência das outras nações. Há que definir um rumo, e segui-lo enquanto a experiência mostrar que estamos no bom caminho!
O desenvolvimento rápido da Gazeta de Matemática — em particular a partir do início do presente ano lectivo — tornou possível o alargamento imediato da sua acção cultural e daí nasceu a ideia — para evitar uma dispersão de esforços que o momento actual não permite — de criar na Gazeta uma secção em que se desenvolveria a pouco e pouco o plano de acção que se pretendia realizar no Movimento Mate­mático. É esta a origem desta secção que se iniciou no n.º 9 da Gazeta.
Infelizmente a situação actual da Gazeta não per­mite ainda dar a esta secção todo o desenvolvimento que era necessário. Por isso temos que nos limitar a assinalar aos leitores deste número as realizações e iniciativas de valor cultural sob o ponto de vista matemático de que temos conhecimento. Esperamos que em breve seja possível, por meio da colaboração efectiva de todas as pessoas interessadas no desenvolvimento da cultura matemática, lançar uma cam­panha para uma reforma dos estudos matemáticos em Portugal e fazer a propaganda das principais cor­rentes do movimento matemático moderno.
ANTÓNIO MONTEIRO

Artigo da secção MOVIMENTO MATEMÁTICO
Gazeta de Matemática, n.º 10, 25-26 (Abril de 1942)