quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Manuel Valadares (26 de Fevereiro de 1904 — 31 de Outubro de 1982)

Digitalização de Jose Marcilese
© Família de António Aniceto Monteiro
«Em Junho de 1947, o Conselho de Ministros determinou a expulsão de muitos professores das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra. Estes viram-se obrigados a procurar trabalho, nomeadamente, no estrangeiro. Entre eles, MANUEL VALADARES, professor de Física na Faculdade de Ciências de Lisboa, investigador científico em Física Atómica e Radioactividade.Da sua vida em França, onde conviveu com figuras do maior prestígio como Madame Curie, Picasso e tantos outros, fosse no âmbito científico fosse no âmbito socio-político, e de como a política portuguesa seguia os seus passos, se revelam as palavras e as imagens neste documentário realizado por A. Marques Pinto, em 2002.»

sábado, 22 de fevereiro de 2014

O embaixador

Pedro Teotónio Pereira (Wikipédia)

O embaixador e o «pide» 
(…)
Agradado com o novo pupilo, o capitão Catela nomeou-o para uma missão muito especial: correio diplomático entre Lisboa e o Governo do generalíssimo Franco. Em plena guerra civil. À partida, Casaco não possuía atributos especiais para a tarefa: «Não conhecia a Espanha nem falava espanhol - nada!» Os superiores, contudo, viram nele o agente indicado. Durante quase uma década assegurou a ligação diplomática entre o Portugal de Salazar e a Espanha de Franco. Munido de um passaporte diplomático («era o nº13»), ia e vinha, «pelo menos uma vez por semana», de comboio.
O destinatário era o diplomata Pedro Theotónio Pereira, acreditado como agente especial - logo depois embaixador de Portugal junto do regime franquista - e que foi acompanhando a lenta progressão das forças que se haviam sublevado contra a República democrática. Armado com uma pistola Walther, de 7,65 mm, o primeiro destino começou por ser Salamanca; seguiu-se Burgos - durante algum tempo a capital dos revoltosos - e, finalmente, Madrid. Entre o chefe do Governo e o embaixador fora instalado um telefone do Estado, «directo, com nº 54». A correspondência «do presidente Salazar levava-a eu, escondida no peito, numa bolsinha especial». Dentro do envelope dirigido a Theotónio Pereira, muitas vezes ia «um outro, destinado ao próprio Franco».
Entre o correio especial e o diplomata teceram-se relações muito para além das profissionais. Quando lhe nasceu o primeiro filho, em Junho de 1942, Casaco fez questão que o padrinho fosse o embaixador e ainda delfim de Salazar. O varão tomou precisamente o nome de Pedro.
(...)
Em Madrid, conheceu o chefe dos serviços secretos da polícia espanhola, Lisardo Alvarez Perez. «Ele podia ser meu pai - tinha uns bons 40 anos a mais do que eu... O Theotónio Pereira foi quem me pôs em contacto com ele.» Quando Lisardo morreu, foi substituído por Vicente Reguengo. Entre Casaco e Reguengo cresceu uma sólida amizade, incólume durante décadas. Foi graças a essa relação pessoal com a alta hierarquia da secreta espanhola que «se conseguiu uma ligação entre as duas polícias». A confiança era grande: «Eu entrava na sede da DGS, em Madrid, com a mesma facilidade com que entrava na sede da PIDE» - a Polícia Internacional de Defesa do Estado, que sucedeu à PVDE no final da II Guerra.
Fundação Aristides de Sousa Mendes

O embaixador e o cônsul
(…)
A 23 de Junho de 1940, Salazar determina o seu afastamento do cargo, e envia o Embaixador Teotónio Pereira. Em Portugal, Sousa Mendes solicita, em vão, uma audiência a Oliveira Salazar, mas este Salazar determina, a 4 de Julho, a abertura de um processo disciplinar ao diplomata que é instaurado a 1 de Agosto de 1940.
Como consequência, Aristides de Sousa Mendes é afastado da Carreira Diplomática e afastado de qualquer actividade profissional, sendo ostracizado pelos seus pares, familiares e amigos. Os filhos, perseguidos e não podendo encontrar trabalho em Portugal, são obrigados a emigrar.
(…)
Entre 1940 e 1954, Aristides entra num processo de “decadência”, perdendo, mesmo, a titularidade do seu gesto Salvador pois, Salazar apropria-se desse acto. Através da propaganda do Estado Novo, os jornais do regime louvam Salazar: “Portugal sempre foi um país cristão” é o título de um Editorial do Diário de Notícias do mês de Agosto de 1940, em que Salazar é louvado por ter salvo refugiados no Sul de França. Até Teotónio Pereira, reclama, nas suas “Memórias”, a acção de Aristides de Sousa Mendes como sendo de sua autoria! O cônsul morre a 3 de Abril de 1954.
(…)
No início de 1940, Aristides é formalmente avisado por Salazar para não conceder mais vistos a judeus, pois “se o fizer, ficará sujeito a procedimento disciplinar”. Paris, entretanto, cai ante o avanço das tropas nazis, a 14 de Junho, e, no dia seguinte, Bordéus fica submergida de refugiados.  É o salve-se quem puder! Bordéus, uma cidade de 200.000 pessoas, passa a ter um milhão! É o pânico generalizado…”dir-se-ia o fim do mundo”, como escreveu, trinta anos mais tarde, nas suas “Memórias”, Pedro Teotónio Pereira, principal acusador do Cônsul.
(…)

Pedro Teotónio Pereira, then Portugal's Ambassador to Spain, was reported by Consul Machado, subordinate in Bayonne of the Portuguese Consul in Bordeaux Aristides de Sousa Mendes, of the taken over his responsibilities from him there in order to set up a second assembly line to process thousands more exit documents. Teotónio Pereira, whose maternal grandfather was German, who favored Germany and worried that accepting those unacceptable to Hitler would ruin Portugal's relationship with Franco, promptly set out for the French border. He arrived at Irun at the same time Sousa Mendes traveled to the border at Irun on June 23, 1940, and there he declared Sousa Mendes mentally incompetent and invalidated all further visas. An Associated Press story the next day reported that some 10,000 persons attempting to cross over into Spain were excluded because authorities no longer granted recognition to their visas.

(…)
Por isso, nos dias 17, 18 e 19 de Junho, o cônsul português não tem mãos a medir: ajudado pelo secretário da chancelaria, José Seabra, por um filho e um sobrinho, concede vistos a todos os que o procuram: gente humilde ou grandes personalidades políticas no exílio, aristocratas, escritores, homens de negócios, tornados todos iguais na aflição e no desespero. O seu gesto, porém não se limita à concessão de vistos no consulado. Vai a Bayonne e Hendaye e, pelos caminhos, pelas estradas, nas estações de caminho-de-ferro, concede vistos a todos os refugiados. Aí o vai encontrar o embaixador português em Madrid, Pedro Teotónio Pereira, enviado por Salazar com a missão de dissuader Sousa Mendes de conceder mais vistos.
(…)
No primeiro caso, assim o interpreta o Embaixador de Portugal em Madrid, Pedro Teotónio Pereira que, no relatório que escreve a Salazar, depois da sua deslocação a Bordéus, Bayonne e Hendaye, para controlar e pôr cobro à concessão desregrada de vistos, por parte de Aristides, afirma: “De tudo o que ouvi e do seu aspecto de grande desalinho, deixou-me a impressão de um homem perturbado e fora do seu estado normal”. E acrescenta não ter o cônsul “a mais ligeira noção dos actos cometidos”2. Segundo o filho Luís Filipe de Sousa Mendes, Teotónio Pereira teria chamado o pai, declarando que a sua desobediência era uma loucura, ao que Sousa Mendes teria replicado: “É necessário ser louco para fazer o que está certo?”
O embaixador no Brasil
(…)
Em 1945, no Brasil, a oposição combate abertamente Getúlio Vargas. Os jornais estampam nas suas páginas as mais diversas manifestações de cunho democrático, entre elas, as dos opositores portugueses, que ganham espaço no noticiário de alguns jornais do Rio de Janeiro. Em Abril, o Diário Carioca noticia uma grande manifestação que reúne os antifascistas portugueses e os seus apoiantes brasileiros na sede da União Nacional dos Estudantes, no Rio de Janeiro. Em Novembro, no jornal Tribuna Popular, uma reportagem, bem maior que a anterior, fala de outra reunião no mesmo local.
No título do artigo, que ,cita os nomes de Moura Pinto, Aniceto Monteiro e Lúcio Pinheiro dos Santos, uma frase proferida pelo aviador Sarmento de Beires, também presente na reunião, é destacada:
Já que em Portugal se morre de fome é preciso que o povo português compreenda que vale mais morrer lutando.
No mesmo ano, em Outubro, a Oposição consegue um outro bom espaço na imprensa, quando o periódico Diretrizes apresenta um retrato negativo do novo embaixador de Portugal, Pedro Teotónio Pereira. Na edição do dia 31, onde é publicada uma fotografia na qual o diplomata aparece fardado ao lado de Salazar, o novo representante de Lisboa é apresentado como "o RodolfHess Português":
Como bom diplomata fascista, o agente.salazarista fez entrega à policia política de Franco de centenas de refugiados espanhóis, que procuraram asilo em Portugal sob o pretexto de serem comunistas ou democratas perigosos à paz interna, para serem fuzilados além fronteira.
(…)

O embaixador na Academia Brasileira de Letras (com Pedro Calmon)
Sessão de 24 de Janeiro [de 1946]
- Achando-se em visita à Academia o sr. Pedro Teotónio Pereira, Embaixador de Portugal, acompanhado pelo sr. Carlos Pedro Pinto Ferreira, 1º  secretário, designou o sr. Presidente os srs. Ataulpho de Paiva e João Luso para introduzirem no recinto das sessões os ilustres visitantes, que foram acolhidos com uma salva de palmas.
O sr. Presidente dirigiu-lhes algumas palavras de boas vindas e designou o sr. Pedro Calmon, para os saudar em nome da Academia.
O sr. Pedro Calmon em frases eloquentes, disse da satisfação com que a Casa de Machado de Assis recebia a honrosa visita, lembrando os vínculos espirituais entre as duas culturas e a fidelidade da Língua pátria, cuja glória tanto importa à cultura comum. Êste prestígio, na hora atual, é a suprema preocupação da Academia do Brasil e de Portugal. Sua Exa. o sr. Embaixador Pedro Teotónio Pereira agradeceu as palavras do sr. Presidente e do sr. Pedro Calmon, bem como as palmas dos srs. Académicos, expressando a sua satisfação por se ver entre os representantes da intelectualidade brasileira, na Casa de Machado de Assis, que tem por principal missão zelar pelo idioma comum aos dois povos irmãos. Em seguida foi (...)

As dificuldades de um matemático português no Brasil
(…)
Desde essa época, Monteiro sentia que as suas chances de permanecer no Brasil reduziam-se progressivamente. Pelas cartas que trocava com Beck, parece que foi, naquele ano de 1949, que ele começou a ter clareza de quais eram as causas das suas dificuldades. Se, por um lado, a sua atuação no Departamentode Matemática da FNFi tinha sido muito importante para as carreiras de Nachbin, Peixoto e Maria Laura Mouzinho Leite Lopes, o que lhe angariou a animosidade de Rocha Lagôa e seus colaboradores, por outro, a mudança na direção da reitoria só veio a prejudicar-lhe ainda mais. O novo reitor, o já mencionado Pedro Calmon, nutria grande simpatia pelo regime salazarista, como se pode, por exemplo, perceber nas memórias que escreveu e nas quais relata com saudade os encontros que teve com Salazar em Portugal na altura das negociações do tratado ortográfico. Calmon integrou como membro oficial a delegação brasileira que dirigiu àquele país. Em carta de 07 de janeiro de 1949, escrita para Beck, Monteiro relatava do seguinte modo a sua situação:
“Aqui no Brasil estão démarches em curso em São Paulo e em Belo Horizonte. Tudo se faz lentamente e nada há de concreto. As dificuldades parecem-me grandes. O meu contrato foi assinado mas só até o dia 31 de Dezembro, e não será renovado por ordem superior. Não consegui esclarecer ainda a origem de toda esta intriga. O mais provável é que algum «colega» do departamento de matemática [provavelmente, o colega seria Rocha Lagoa], incomodado com os resultados da minha actuação científica, que tem levantado uma certa diferenciação de valores, intrigasse as autoridades sob o ponto de vista político e a partir daí inimigos de toda a natureza (colónia portuguesa, consulado, etc.) ajudarem à missa. (...) Tenho elementos para pensar que o Reitor, que deve ser um salazarista feroz, procedeu com grande safadeza no meio de tudo isso.”
(…)
O embaixador, Salazar e...
um punhado de pedras no fundo duma pedreira
«No entanto, noutros aspectos substanciais das relações entre Portugal e o Brasil, Theotónio Pereira acumulou alguns êxitos que apresentava a Salazar, num balanço de uma sua acção que considerava ter sido globalmente positiva, ao mesmo tempo que avaliava o estado em que se encontravam as linhas de força principais nas relações bilaterais afirmando:
“(…) a parte fazível da obra está assegurada: a colónia mais numerosa, unida vibrante de patriotismo [do] que nunca; os elementos adversos reduzidos a um punhado de pedras no fundo duma pedreira; (…) a imprensa completamente calma; as campanhas terminadas; os grupos de intelectuais brasileiros tendo deixado de apoiar os nossos reviralhistas e não tomando já parte em quaisquer manifestações; toda a virulência muito atenuada; toda a febre de há um ano reduzida a uns décimos que afloram de vez em quando. E, com tudo isto, um novo e crescente respeito por Portugal, pelo seu governo e por V. Ex.a..” (*)
(…) Ou seja, tal como aconteceria com as missões de outros diplomatas portugueses acreditados no Brasil no pós-guerra, Theotónio Pereira conduziu uma acção que tentou a todo o custo limitar os danos que o desfecho da Segunda Guerra Mundial trouxera para o salazarismo no Brasil. Trabalhou em prol de um acréscimo do prestígio das colónias portuguesas espalhadas pelo Brasil através do duro combate que travou com os sectores da oposição à Ditadura portuguesa residente no Brasil. Ao mesmo tempo, Theotónio Pereira combateu politicamente, em especial na imprensa, todos os actos e sinais que além de prejudicarem as relações luso-brasileiras, se exprimiam através de críticas implacáveis, comentários violentos ou actos enérgicos contra o salazarismo e o seu representante diplomático no Rio de Janeiro.»
(*) «Carta de Pedro Theotónio Pereira a Oliveira Salazar», Rio [de Janeiro], 26 de Março de 1947. Arquivo Oliveira Salazar / CD-17 , fls. 58-74.
Um Primeiro Passo no Bom Caminho O Tratado de Amizade e Consulta (16.11.1953) (Fernando Martins, Pedro Leite de Faria)

A embaixada e o matemático (segundo José Leite Lopes)
«Relembro a figura de Antônio Aniceto Monteiro, matemático português que deu importante contribuição matemática no Brasil enquanto aqui esteve como professor na FNFi, até que pressões políticas oriundas do regime salazarista de Portugal tiveram força suficiente, nesta universidade, àquela época, para afastá-lo.»

A embaixada e o matemático (segundo Leopoldo Nachbin)
«Monteiro veio ao Rio de Janeiro em 1945 com um contrato de quatro anos para trabalhar na Universidade do Brasil. Entretanto, em razão de sua atitude abertamente anti-Salazar, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro (então a capital do Brasil) conseguiu convencer o Reitor da Universidade do Brasil a não renovar seu contrato em 1949. Como consequência, Monteiro deixou o Brasil e mudou-se para a Argentina, onde sua contribuição para o desenvolvimento da matemática na América Latina foi também muito significativa, tal como fora sua permanência no Brasil.»

A embaixada e o matemático (segundo Elon Lages Lima):
«Monteiro morou no Rio de Janeiro cerca de quatro anos, entre 1945 e 1949. Nesta época, seus interesses matemáticos se dividiam entre a Topologia Geral e os Conjuntos Ordenados, evoluindo daquela para estes. Mas sua energia pessoal era grande o bastante para permitir-lhe ação política e, neste campo, seu maior interesse era a derrubada da ditadura de Salazar. E claro, porém, que não havia aqui muito espaço para movimento, especialmente porque a alta direção da Universidade do Brasil (como então se chamava a Universidade Federal do Rio de Janeiro), era ligada, por laços afetivos e ideológicos, com o governo português. A posição de Monteiro tornava cada vez mais difícil a renovação de seu contrato e por fim ele teve de emigrar para a Argentina.»
Elon Lages Lima,Impressões sobre António Aniceto Monteiro.Boletim do CIM, pag. 7-8, Dezembro1977.
Os documentos aqui reproduzidos constam do Arquivo da PIDE/DGS, relativo a José Cardoso Morgado Júnior, existente na Torre do Tombo (IAN/TT).
Os embaixadores que se lhe seguiram no Brasil
(…)
Desde o início o jornal [«Portugal Democrático»] foi hostilizado pela embaixada portuguesa e pelo poderoso lobby salazarista que editava no Rio dois semanários de grande tiragem.
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Anos antes do golpe militar, quando, por iniciativa da embaixada, uma comissão de notáveis da colónia promoveu num grande pavilhão de São Paulo um encontro de hóquei em patins entre as selecções de Angola e do Brasil para recolher fundos destinados às «vitimas da guerra colonial» (leia-se os colonos mortos) o DOPS compareceu em força no recinto e prendeu os portugueses que protestavam. Eram poucos e haviam sido agredidos por grupos de fascistas, mas foram eles e dois angolanos os detidos sob a acusação de «subverterem a ordem pública».
(…)
Os ataques aos antifascistas do «Portugal Democrático» provinham sobretudo da Embaixada e das organizações por ela tuteladas e da extrema-direita brasileira.
(…)
Uma das modalidades da perseguição política que atingia alguns de nós era a recusa de passaportes comuns pela Embaixada.
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Na frente da informação a iniciativa mais importante que os exilados antifascistas do Brasil tomaram naqueles tempos foi o envio anual de um Memorial à Assembleia-Geral das Nações Unidas, assinado por representantes das organizações democráticas portuguesas instaladas em seis países do Continente Americano: Argentina, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Venezuela e Uruguai. O Memorial que abriu a série em 1963 teve como primeiros signatários o general Humberto Delgado e o Prof. Ruy Luiz Gomes, ambos ex candidatos à Presidência de Portugal. Nesse documento eram denunciados com especial ênfase os crimes do colonialismo e pedida à ONU o cumprimento de Resoluções do Conselho de Segurança que exigiam o direito à autodeterminação e independência das colónias portuguesas.
Quando o «The New York Times» e o «Washington Post» publicaram passagens do documento, a repercussão incomodou tanto o fascismo que o Embaixador de Portugal na ONU promoveu uma conferência de imprensa no hotel Waldorf Astoria, em Nova Iorque, na tentativa de desmentir o conteúdo do Memorial.
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Perante o interesse despertado pela «transição marcelista», aquela Universidade dirigiu-se à Embaixada de Portugal e ao Centro Republicano Português pedindo-lhes a indicação de nomes de personalidades disponíveis para apresentar comunicações nos diferentes painéis constantes do programa e abertas ao debate sobre o colonialismo e o regime ditatorial de Lisboa.
A Embaixada não somente recusou colaborar como cometeu o erro, através do consulado, de sugerir ao Reitor da Universidade que anulasse o Curso sobre Portugal, argumentando que teria um carácter subversivo, «incompatível com a ideologia da Revolução Brasileira» (assim se auto intitulava a ditadura militar). E foi mais longe: visitou as redacções solicitando que não fizessem a cobertura do acontecimento, gesto que, denunciado, suscitou escândalo.
(…)
A luta dos Antifascistas Portugueses do Brasil contra a ditadura de Salazar e o Colonialismo
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Nota 1. Pedro Teotónio Pereira foi embaixador no Brasil de 19 de Outubro de 1945 até 30 de Junho de 1947, data em que seguiu para Washington. Aí, exerceu as suas funções diplomáticas em dois períodos: de 1 de Agosto de 1947 a 11 de Fevereiro de 1950, ocasião em que foi o grande artífice da adesão de Portugal à NATO/OTAN;  de 14 de Agosto de 1961 a 13 de Novembro de 1963, sendo ele, portanto,  o embaixador a que se refere Miguel Urbano Rodrigues.
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Nota 2. Responsáveis diplomáticos de Portugal no Rio de Janeiro enquanto António Aniceto Monteiro lá viveu: Martinho Nobre de Melo (embaixador), Carlos Pedro Pinto Ferreira (encarregado de negócios), Pedro Teotónio Pereira (embaixador), Luis de Castroe Almeida Mendes Norton de Matos (encarregado de negócios), João António de Bianchi (embaixador).

Impressões sobre António Aniceto Monteiro (Elon Lages Lima)

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Conheci Monteiro por causa de Bento de Jesus Caraça. Antes deles, os únicos matemáticos portugueses de quem ouvira falar tinham sido Pedro Nunes e Gomes Teixeira. Isto sem mencionar os livros elementares de Álgebra e Aritmética de Serrasqueiro, bem conceituados entre meus professores do ginásio e estudantes da geração que precedeu a minha.
Ninguém me apresentou ou sugeriu Caraça. Encontrei-o por acaso, num alfarrábio em Fortaleza, sob a forma de um livro com páginas ainda dobradas. Chamava-se “Licões de Álgebra e Análise”, vol. 1. Algum aficionado certamente o comprara pelo título ou ganhara-o de presente, e se desfizera dele, desapontado pelo primeiro contacto com seu conteúdo. Exatamente esse estranho índice e os inesperados conceitos que vislumbrei nas páginas expostas entre os cadernos dobrados é que me fascinaram. Comprei o livro e, por meio dele, me iniciei no mundo dos conjuntos, números transfinitos, números naturais, inteiros, reais e complexos, todos construídos passo a passo. Caraça era meu único professor, meu guia. Um aspecto interessante do livro eram as indicacões bibliográficas comentadas, no fim de cada capítulo. Devido a elas, encomendei “Pure Mathematics” de Hardy e “Survey of Modern Algebra” de Birkhoff-MacLane a uma livraria no Rio. Junto com os livros, veio um catálogo no qual estavam a monografia “Filtros e Ideais” de Monteiro e a “Aritmética Racional”, que ele escreveu junto com J. Silva Paulo.
Achei mais fácil começar por Monteiro. A Aritmética foi uma delícia, embora me deixasse curioso de saber se os estudantes do Liceu em Portugal (ou em qualquer outro país) eram, salvo os muito bem dotados, capazes de apreciar a elegância e a subtileza daquela exposição.
Monteiro morou no Rio de Janeiro cerca de quatro anos, entre 1945 e 1949. Nesta época, seus interesses matemáticos se dividiam entre a Topologia Geral e os Conjuntos Ordenados, evoluindo daquela para estes. Mas sua energia pessoal era grande o bastante para permitir-lhe ação politica e, neste campo, seu maior interesse era a derrubada da ditadura de Salazar. E claro, porém, que não havia aqui muito espaço para movimento, especialmente porque a alta direção da Universidade do Brasil (como então se chamava a Universidade Federal do Rio de Janeiro), era ligada, por laços afetivos e ideológicos, com o governo português. A posição de Monteiro tornava cada vez mais difícil a renovação de seu contrato e por fim ele teve de emigrar para a Argentina. Em Bahia Blanca, cumprindo sua vocação de pioneiro, agora já definitivamente dedicado a Lógica Matemática, formou e liderou um grupo, até hoje florescente e significativo, de pesquisadores naquela área, entre os quais se destaca seu filho. A distância geográfica e cultural o afastou da politica portuguesa, trazendo-o mais para a Matemática e para a atividade de criação de uma escola de alto nível, o que também demandava esforço e exercício político, embora de outra natureza.
No período em que esteve no Brasil, Monteiro associou-se principalmente a Leopoldo Nachbin e Maurício Peixoto, na época jovens matemáticos tentando iniciar suas carreiras num ambiente em que a tradição de pesquisa matemática era praticamente nula. Com sua forte e inquieta personalidade, ele congregou estudantes, organizou seminários e fundou uma coleção de monografias chamada “Notas de Matemática”, da qual o primeiro número foi seu trabalho sobre Filtros e Ideais. A afinidade de interesses matemáticos de Monteiro era bem maior com Nachbin do que com Peixoto. Sua influência sobre o primeiro se reflecte na monografia intitulada “Topologia e Ordem”, publicada por Nachbin sobre os espaços topológicos ordenados. É curioso observar, entretanto, que Peixoto foi o único matemático brasileiro com quem Monteiro escreveu um trabalho em conjunto, publicado na revista Portugaliae Mathematica sob o título “Le nombre de Lebesgue et la continuité uniforme”.
“Filtros e Ideais” foi meu primeiro exemplo de como se pode elaborar uma teoria matemática abstrata e não trivial a partir de um sistema de axiomas extremamente simples como o dos conjuntos ordenados. Embora estudos posteriores e opção pessoal me tenham feito seguir rumos matemáticos bem diferentes, a leitura da monografia de Monteiro familiarizou-me com métodos gerais e isto foi útil anos depois em minha tese de doutoramento, quando desenvolvi a teoria dos espectros de espaços topológicos.
Encontrei-me com Monteiro duas vezes, em visitas que fez ao Brasil, já morando na Argentina. A primeira no Rio, quando ainda era estudante, e a segunda em Poços de Caldas, numa reunião matemática, após regressar de meus estudos em Chicago. Em ambas ocasiões, expressei minha admiração pelo trabalho que realizou em três países e meus agradecimentos pelo papel que desempenhou na minha formação. Estou certo de que muitos matemáticos portugueses, brasileiros e argentinos foram ainda mais beneficiados por seu trabalho e se sentem ainda mais reconhecidos do que eu.
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Impressions on António Aniceto Monteiro (artigo do Boletim do CIM)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A influência de Antonio Aniceto Ribeiro Monteiro no desenvolvimento da Matemática no Brasil (Leopoldo Nachbin)

Digitalização de Jose Marcilese
© Família de António Aniceto Monteiro
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Sentados, da esquerda para a direita: António Monteiro, A. Adrian Albert, Marshall Stone, Oliveira Jr., José Abdelhay. Em pé, da esquerda para a direita: Alvércio Moreira Gomes, Maria Laura Mousinho, Leopoldo Nachbin, Marília Peixoto, Carlos Alberto Aragão Carvalho.
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Monteiro veio ao Brasil em 1945; eu tinha então 23 anos.
Não conheço os detalhes dos acordos científicos e administrativos que o levaram a tomar em consideração, e aceitar, uma oferta para vir ao Brasil.
Monteiro ingressou então na Faculdade Nacional de Filosofia (FNF) da Universidade do Brasil (hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro). A FNF era naquela época o principal centro de matemática do Rio de Janeiro, havendo iniciado suas atividades na área em 1939. Monteiro, indiscutivelmente, manteve e aperfeiçoou o nível e as atividades matemáticas.
Por outro lado, a FNF era então o segundo melhor centro de matemática do Brasil, logo após a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo, que iniciara as atividades matemáticas em 1934.
Apesar de que atualmente considero Monteiro fundamentalmente um lógico matemático, de corpo e alma, ele era ainda um analista quando veio ao Brasil, pelo menos como resultado dos seus estudos de doutoramento em Paris, e talvez de corpo e alma também. Assim, seus principais interesses, para efeito de palestras em cursos e seminários na FNF, dirigiram-se à topologia geral, espaços de Hilbert, análise funcional, bem como aos conjuntos ordenados, reticulados e álgebras de Boole.
Por exemplo, foi muito elucidativo para mim ouvir uma palestra de Monteiro cobrindo em detalhes o teorema da representação de Stone das álgebras de Boole por meio dos subconjuntos abertos-e-fechados de um espaço Hausdorff totalmente desconexo, uma ligação entre álgebra e topologia geral que naquela época eu considerava inesperada, além de ser bonita, de qualquer forma. Se menciono especificamente este ponto é porque uma das principais características da atitude de Monteiro com referência à matemática em suas aulas e em sua pesquisa, era enfatizar a unicidade da matemática.
Foi também uma revelação para mim quando Monteiro, recém-chegado ao Rio de Janeiro, em 1945, emprestou-me sua cópia particular da Topologie Générale de Bourbaki, especificamente os capítulos I-II (1940) e III-IV (1942) publicados na França. A este respeito, devo salientar que no Brasil, em função da Segunda Guerra mundial (de 1939 a 1945), era impossível acompanhar e obter regularmente publicações europeias sobre matemática durante esse período.
Eu gostaria de salientar que a FFCL de São Paulo teve os seguintes visitantes: André Weil, durante três anos académicos, de 1945 a 1947; Oscar Zariski, durante o ano académico de 1945; Jean Dieudonné, nos dois anos académicos de 1946 a 1947. Monteiro baseou suas atividades no Rio de Janeiro num estreito contato matemático com Weil, Zariski e Dieudonné, que por sua vez tentaram oferecer seu apoio à influência de Monteiro no Rio de Janeiro.
Monteiro era uma pessoa muito dinâmica, e um expositor muito eficaz. Ele tinha uma paciência de pioneiro e boa vontade para atrair e ajudar estudantes, desde os que estavam entre os melhores até aqueles não tão promissores mas ainda assim razoavelmente interessados em matemática.
Eu mesmo devo diversos dos importantes passos e eventos, no meu aprendizado e na minha carreira, à visão de Monteiro como conselheiro. Não vou fazer aqui uma relação detalhada; basta expressar no geral meu débito à influência de Monteiro quando eu era jovem e inexperiente, dos pontos de vista matemático, psicológico e político, época na qual Monteiro me deu seu inestimável conselho, proteção e iniciativa.
Nossa amizade durou até o último momento e não foi interrompida pelas adversidades da vida. Assim, em setembro de 1980 ainda recebi uma excelente carta dele, a última carta que ele me endereçou antes de falecer. Era perfeitamente claro para mim que Monteiro estava orgulhoso pelo fato de eu ter sido seu aluno; em outras palavras, Monteiro realmente procurava continuar sua própria vida através de seus antigos alunos.
Monteiro veio ao Rio de Janeiro em 1945 com um contrato de quatro anos para trabalhar na Universidade do Brasil. Entretanto, em razão de sua atitude abertamente anti-Salazar, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro (então a capital do Brasil) conseguiu convencer o Reitor da Universidade do Brasil a não renovar seu contrato em 1949. Como consequência, Monteiro deixou o Brasil e mudou-se para a Argentina, onde sua contribuição para o desenvolvimento da matemática na América Latina foi também muito significativa, tal como fora sua permanência no Brasil.
Em 1948, Monteiro iniciou no Rio de Janeiro uma série de monografias, Notas de Matemática, cujo primeiro volume foi escrito por mim, e ele continuou até o volume 6. Como ele deixou o Brasil em 1949 e eu voltei em 1950, retornando dos Estados Unidos, depois de uma visita de dois anos durante 1948-1950, decidi manter uma boa tradição e continuar a série como seu organizador começando do volume 7. Durante vinte e cinco anos, de 1948 a 1972, os volumes l a 47 da série foram publicados no Rio de Janeiro. Desde 1973 e começando do volume 48, a North-Holland Publishing Company assumiu a continuação da série na Holanda sob minha coordenação. Como resultado, o nível e a reputação da série cresceu substancialmente. Nesta ocasião, devo enfatizar o fato de que Monteiro foi o iniciador de Notas de Matemática, em 1948, e como uma série brasileira.
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Leopoldo Nachbin: A influência de Antonio Aniceto Ribeiro Monteiro no desenvolvimento da Matemática no Brasil, em “Ciência e Sociedade”, Ed. da UFPR, Curitiba (1996). 
versão brasileira do artigo da Portugaliae mathematica: 
http://purl.pt/index/pmath/date/PT/1980.html