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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Actuação de António Aniceto Monteiro em Lisboa entre 1939 e 1942 (Hugo Ribeiro)


No primeiro volume (1937) desta publicação [Portugaliae Mathematica], fundada e, nos primeiros anos, editada e administrada por António Monteiro, foi publicada a sua tese de doutoramento (1936) na Universidade de Paris onde ele estudava como bolseiro da Junta de Educação Nacional (depois «Instituto para a Alta Cultura»). Para que a Monteiro fosse possível fazer e ensinar Matemática com alguma estabilidade foi necessário que abandonasse Portugal (1945) onde só voltou 32 anos depois.
Com uma ou outra excepção a Matemática (pura) não era cultivada em Portugal e, assim, as escolas superiores limitavam-se a preparar professores das escolas secundárias, ou técnicos e cientistas que porventura a utilizariam. Foi nesta atmosfera, enormemente agravada pela opressão da ditadura e as guerras civil em Espanha e na Europa, que Monteiro, não participante do ensino oficial, fez entrar uma lufada de ar fresco impulsionando decididamente a Matemática neste país. Este meu breve testemunho refere-se simplesmente ao período 1939-1942 em Lisboa onde ele criou as bases de desenvolvimento então impensáveis.
Além de se ocupar dos planos e mínimos detalhes da publicação e divulgação da Portugaliae Mathematica, já antes de 1939 Monteiro tinha com antigos bolseiros promovido exposições sistemáticas (e a sua publicação) de tópicos que importava divulgar. A clara visão da urgência de trabalho verdadeiramente construtivo em Portugal, a sua incansável iniciativa e, antes de tudo, o seu entusiasmo e determinação eram imediatamente perceptíveis e contagiosos. Cedo teve espontânea colaboração, e especialmente valiosa foi, desde o início, a de Manuel Zaluar Nunes e a de José da Silva Paulo – que durante dezenas de anos aqui mantiveram as revistas criadas. O Instituto para a Alta Cultura, presidido por Celestino da Costa e aconselhado por Pedro José da Cunha, interessava-se, apoiava os seus projectos, e tinha atribuído a Monteiro, que sempre teve necessidade de ocupar muito do seu tempo com lições privadas, uma pequena bolsa. A Faculdade de Ciências emprestava uma sala onde nos reuníamos quase todas as tardes (e mesmo à noite) para nos ocuparmos da Portugaliae Mathematica e, mais tarde, também para seminários informais. Foi a partir destes seminários, onde chegavam as primeiras publicações obtidas por troca, que Monteiro criou o Seminário de Análise Geral e o Centro de Estudos Matemáticos do IAC. Hausdorf (1914) definira e estudara os espaços métricos, Fréchet (1926) publicara Les espaces abstraits e Sierpínski (1928) a sua introdução à topologia geral. Em contraste com a explosão de hoje a Matemática prosseguia vagarosamente, e nós aprendíamos a conhecer melhor as nossas deficiências, o nosso isolamento e as deficiências das nossas bibliotecas. Monteiro iniciou e dirigiu, para o IAC, um serviço de inventariação da bibliografia científica em Portugal. Nas discussões do Seminário, Monteiro punha problemas, observávamos como procurava resolvê-los, tentávamos contribuir e a pouco e pouco aprendíamos a avançar por nós próprios. Começávamos a preparar para publicação os resultados (necessariamente elementares) do nosso trabalho. Nunca mais conheci ninguém que, para aquele nosso nível, fosse tão eficiente na promoção de jovens. Monteiro preocupava-se em que logo que possível fôssemos estudar num bom centro estrangeiro; e conseguiu para nós (também não participantes no ensino oficial) bolsas do IAC que nos permitissem dedicar mais do nosso tempo ao estudo. Outra sua iniciativa, a Gazeta de Matemática, congregou igualmente professores do ensino secundário, dirigia-se a estudantes que entravam nas Universidades e divulgava o que se fazia no Centro e na Sociedade Portuguesa de Matemática que Monteiro também fundou. Tudo isto impulsionou, decerto, o aparecimento e depois desenvolvimento das publicações matemáticas do Porto, da Portugaliae Physica, da Gazeta de Física, da Revista de Economia; e o contacto saudável, embora mais difícil, com outros centros de investigação que se tinham formado, como o da Estação Agronómica Nacional, contribuía para abrir perspecti¬vas muito prometedoras e únicas no desenvolvimento do país.
Desenvolvia-se a correspondência com matemáticos estrangeiros alguns dos quais enviavam trabalhos para a Portugaliae Mathematica, e Monteiro incitava-nos a comunicar com os provavelmente interessados no que fazíamos. Fréchet, Fantappié e Severí vieram fazer lições no Centro. Monteiro conseguia para nós bolsas do IAC no estrangeiro. Mas a guerra na Europa e a burocracia eram dificuldades impossíveis ou difíceis de ultrapassar. Em 1942 um de nós foi para Zürich, e pouco depois três outros para Roma. De fora das escolas, as portas para o futuro da Matemática em Portugal tinham sido, decidida e largamente, abertas pelos esforços, dedicação e coragem de António Monteiro. Mais tarde, decerto com melhores oportunidades, um de nós, José Sebastião e Silva, pôde manter aqui uma brisa desse ar fresco que 40 anos depois, ainda podemos respirar.

Hugo Ribeiro: Actuaçãode António Aniceto Monteiro em Lisboa entre 1939 e 1942, Portugaliae mathematica 39 (1-4), V-VII (1980).

domingo, 16 de dezembro de 2012

António Aniceto Monteiro no Porto

Estas palestras [as duas palestras de António Monteiro sobre Geometrias Finitas e Álgebra finita e Geometria analítica], que se destinavam a um público muito amplo e a que ocorreram efectivamente jovens de todas as Faculdades da Universidade do Porto, deveriam levar à tentativa de organizar no Porto, um clube de Matemática, a exemplo do que já acontecera em Lisboa.
Porém, a intervenção do próprio Ministro do Interior impediu a sua concretização, tal o impacto que causaram em toda a população universitária.
É curioso observar que, nessa época, já funcionavam vários clubes de Matemática em Lisboa, clubes que foram todos encerrados logo em seguida às palestras de Monteiro no Porto.
Para o governo de então, Geometrias finitas, Extensões Algébricas de Corpos e temas semelhantes eram altamente subversivos e punham em risco as instituições vigentes. (...)
Entretanto, no final de 1943 ia proporcionar-se a oportunidade de António Monteiro vir para o Porto e permanecer connosco quase um ano.
Como diz António Monteiro no seu curriculum
“durante o período de 1938-43 todas as minhas funções docentes e de investigação, foram desempenhadas sem remuneração; ganhei a vida dando lições particulares e trabalhando num Serviço de Inventariação de Bibliografia Científica existente em Portugal, organizado pelo IAC”.
Em contraste flagrante com o desinteresse assim manifestado pelas autoridades responsáveis pelo ensino superior do nosso país, comportando-se como se desconhecessem a presença em Portugal de um investigador da categoria de António Monteiro, a Faculdade de Filosofia do Brasil (Rio de Janeiro), por recomendação de Albert Einstein, J. von Neumann e Guido Beck, dirigia-lhe, em Setembro de 1943, um convite para assumir a cátedra de Análise Superior.
Já quando tinha decidido viajar para o Brasil, aceitando aquele convite, funda a Junta de Investigação Matemática, em colaboração com A. de Mira Fernandes e Ruy Luís Gomes. (...)
No documento da fundação da JIM, em que estes objectivos [Os objectivos da Junta de Investigação Matemática] eram proclamados, convidam-se a ingressar na Junta todos aqueles que se interessem por uma tal iniciativa.
Era, porém, evidente, sem meios materiais, seria impossível dar realização a um programa tão ambicioso e foi precisamente com tal objectivo que um grupo de professores e antigos alunos da Faculdade de Ciências do Porto criou a Dotação da Junta de Investigação Matemática e fez distribuir uma circular que era um apelo para recolha de fundos.
Todos nós sentíamos as dificuldades de uma tarefa deste tipo, quando surgiu Alguém, o Dr. António Luiz Gomes, que, entusiasmado com o nosso idealismo e com o alcance do projecto, se lançou apaixonadamente numa campanha de recolha dos necessários meios materiais. Dirigindo-se a amigos seus, conseguiu rapidamente o total, impressionante para a época, de 51.000 escudos. Foi na verdade, meu irmão, António Luiz Gomes “Homem do-Diálogo, Da Solidariedade e Da Indulgência Partilhadas”, no dizer de Fernando Namora, que tornou possível o nosso ambicioso projecto.
Assim, foi contratado pela Junta de Investigação e não por qualquer outra instituição oficial, que António Monteiro se deslocou de Lisboa para o Porto com a família, em Dezembro de 1943 e aí permaneceu até à decisão de emigrar para o Rio de Janeiro, para onde embarcou precisamente no dia 28 de Fevereiro de 1945, de acordo com o telegrama que guardamos no arquivo da Junta de Investigação Matemática, graças à meticulosidade e dedicação do nosso querido amigo Leopoldo Fernandes, que tão abnegadamente se encarregou dos serviços de secretaria da JIM desde a sua fundação até ao encerramento das suas actividades. (...)

domingo, 9 de dezembro de 2012

Autorização militar de 14 de Fevereiro de 1945

© Família de António Aniceto Monteiro
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Em 28 de Fevereiro de 1945, António Aniceto Monteiro e família embarcaram para o Brasil... 

sábado, 8 de dezembro de 2012

Autorização militar de 22 de Outubro de 1943

© Família de António Aniceto Monteiro
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Em Outubro de 1943, António Aniceto Monteiro preparava-se para sair imediatamente do país. Esta autorização militar tinha uma parte no lado direito quase semelhante e que foi destacada, possivelmente utilizada na saída de 1945, visto que a de 1945 está intacta, como se verá (embora o seu prazo de validade fosse de um mês).

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Procuração a Avelino Cunhal (16 de Outubro de 1943)

Avelino Cunhal (fotografia copiada do livro Nenúfar no Charco)
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Em Outubro de 1943, António Aniceto Monteiro preparava-se para sair imediatamente do país...
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 © Família de António Aniceto Monteiro
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O nome de Lídia Monteiro aparece com um erro; onde está "Lídia Moreira", deveria estar "Lídia Marina".
Uma das testemunhas é o médico João Ferreira Marques (ver Ferreira Marques e Bento de Jesus Caraça num passeio no Tejo).
A outra testemunha é Antonino José de Sousa, advogado.
O notário é José Peres de Noronha Galvão (*).
(*) Pai de Maria Luísa Melo de Noronha Galvão.
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Nesta data, a família Monteiro morava Rua Fábrica das Sedas, 5, rés-do-chão. Actualmente, parece que tal rua não existe, mas existe uma travessa com o mesmo nome que fica na zona das Amoreiras, nas traseiras da Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva; também pode suceder que chamaram "Rua" à "Travessa". Curiosamente, menos de dois anos mais tarde, a família Monteiro iria habitar a «Pensão Internacional», no Rio de Janeiro, onde também moravam Maria Helena e Arpad... (ver Maria Helena Vieira da Silva nasceu há 100 anos).

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Título de isenção do serviço militar (4 e 22 de Outubro de 1943)

© Família de António Aniceto Monteiro
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Em Outubro de 1943, António Aniceto Monteiro preparava-se para sair imediatamente do país...
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No dia 11 de Setembro fui mobilizado como cadete de artilharia. Avisei a Embaixada. Ribeiro Couto aconselhou-me a escrever ao Embaixador. Fi-lo. A Embaixada procurou obter uma autorização para a minha partida por intermédio do ministro dos Negócios Estrangeiros. O médico do meu regimento enviou-me ao Hospital Militar Central onde fui submetido a um exame médico. Como eu tinha uma úlcera no duodeno fui considerado como incapaz para o serviço militar no dia 2 ou 4 de Outubro. Cerca do fim de Outubro quando estava no Hospital recebi um telegrama da Embaixada assinado pelo primeiro secretário, Ribeiro Couto. Dizia que: a Faculdade de Filosofia do Rio considera a sua colaboração como indispensável, e deu a ordem para reservar as suas passagens no primeiro barco.
Logo que saí do Hospital a Embaixada deu-me a ordem para preparar a minha partida para o fim do mês de Outubro, o mais tardar para os primeiros dias de Novembro.
Fiz tudo o que foi possível para arranjar tudo nos prazos fixados. Vendi tudo o que tinha na minha casa. As autorizações militares, ou seja a regula­rização da minha situação militar obtive-a em 15 dias (em geral isso leva um mês e meio e por vezes três meses). Tive o meu passaporte no dia 22 de Outubro.
(...)
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domingo, 2 de dezembro de 2012

O ano de 1943 e o exílio de Monteiro, em correspondência de Guido Beck

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Tenho um pedido para si. R. L. Gomes contou-me as dificuldades que Monteiro actualmente atravessa. Não temos notícias sobre este assunto desde então. Há esperança que a situação se resolva ainda por mais algum tempo? Peço-lhe que me informe se eu posso fazer ou tentar o que quer que seja para que se faça alguma coisa.
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[Carta de Guido Beck (Porto) a Bento de Jesus Caraça (Lisboa), de 7 de Dezembro de 1942]
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Sobre o assunto do Monteiro, infelizmente as notícias não são boas. [ilegível] sabe que, por iniciativa do Ministro da E. Nacional, os seus serviços foram dispensados e, sendo assim, acredito que se possa resolver a sua situação no Brasil, caso ele o queira.
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[Carta de Bento de Jesus Caraça (Lisboa)a Guido Beck (Porto), de 13 de Dezembro de 1942]
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Como vão as coisas com Monteiro? Não tenho tido notícias directamente ele. O seu assunto, vai resolver-se? Gostaria muito de o ver em boas condições gostaria muito de acelerar o seu convite para ir para a América.
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[Carta de Guido Beck (Porto) a Bento de Jesus Caraça (Lisboa), de 28 de Janeiro de 1943. Nesta carta fica claro que Guido Beck se preparava para partir para a Argentina, com trânsito pelo Brasil]
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O caso do Monteiro está por agora resolvido e não se pode fazer nada, de momento pelo menos.
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[Carta de Bento de Jesus Caraça (Lisboa) a Guido Beck (Porto), de 3 de Fevereiro de 1943]
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Acabei de ver o Monteiro. Pessoalmente está bastante bem, mas, apesar de tudo, espero vê-lo brevemente na América onde poderá desenvolver todas as suas grandes qualidades.
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[Carta de Guido Beck (já em Lisboa) a Ruy Luís Gomes (Porto), de 24 de Fevereiro do 1943]
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Peço-lhe para informar Monteiro dos esforços que por aqui tenho desenvolvido: Não pude desembarcar no Brasil, e precisava, depois de várias cartas, mandar um telegrama para São Paulo, antes de contactar com o Sr. Wattaghin. E é por isso que tive de atrasar o telegrama. Faço, naturalmente, o impossível para acelerar as coisas. Monteiro está proposto para uma cadeira este ano, o ano passado isso não era possível, mas agora as condições são muito boas. Todavia, não se sabe quando é que o Ministério efectuará a nomeação. É por isso que haveria vantagem em que o Monteiro pudesse ir, independentemente das diligências oficiais, para o Brasil. Também falei para São Paulo, no sentido de enviarem a Monteiro um convite oficial para fazer uma conferência, caso seja possível, para facilitar a sua viagem. Seguidamente, pedi ao v. Neumann, em Princeton, para, entretanto, encontrar uma bolsa para Monteiro. E para me enviar uma carta de recomendação, o que facilitaria novas diligências. Aguardo. Estou em contacto com o Sr. Balanzat: poderemos fazer sondagens quer aqui quer no Peru. As hipóteses são grandes, mas a dificuldade estará em organizar a viagem em pouco tempo. Em todo o caso tenta-se...
(...)
[Carta de Guido Beck (Córdoba, Argentina) a Ruy Luís Gomes (Porto), de l de Julho de 1943]
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Ainda uma mão cheia de novidades:
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2. A nomeação de Monteiro no Rio caiu cá como uma bomba. Todos ficam de boca aberta e diz-se: Mas Beck conseguiu! E tão rapidamente! Começam a compreender.
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[Carta de A. L. Fernandes de Sá (Porto) a Guido Beck (Argentina]
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DOUTOR GUIDO BECK OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO
CÓRDOBA ARGENTINA
GRANDE SATISFAÇÃO CONTRATO MONTEIRO STOP ESTOU COMUNICAÇÃO EMBAIXADA BRASILEIRA STOP PROCA CHEGOU A LISBOA GRANDE ABRAÇO
RUY GOMES
[Telegrama de Ruy Luís Gomes (Porto) a Guido Beck (Córdoba, Argentina, de 7 de Agosto de 1943]
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MONTEIRO CONTRATADO COM APROVAÇÃO MINISTERIAL FACULDADE RIO DE JANEIRO STOP ROGO TOMAR O CONTACTO COM EMBAIXADA BRASILEIRA LISBOA QUE TRANSMITA CONTACTO
GUIDO BECK
[Telegrama de Guido Beck (Córdoba, Argentina) a Ruy Luís Gomes (Porto]
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(...)
Transmiti ao Dr. António Monteiro o conteúdo do vosso telegrama e já nos pusemos em contacto com a Embaixada do Brasil sobre o assunto mas até à data não tinham indicações nenhumas sobre os termos do respectivo contrato. Sei que telegrafaram imediatamente para o Rio de Janeiro a pedir instruções.
(...)
[Carta de Ruy Luís Gomes (Porto) a Guido Beck (Córdoba, Argentina), de 25 de Agosto de 1943]
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NENHUMA DIFICULDADE SAÚDE EMBAIXADA ATRIBUI DIFICULDADES ENVIO DINHEIRO VIAGENS ORDEM EMBAIXADA PRONTO PARTIR PASSAPORTES REGRA DESDE OUTUBRO CASA VENDIDA DESEMPREGO SITUAÇÃO INSUSTENTÁVEL INTERVENHA URGÊNCIA
ANTÓNIO MONTEIRO
[Telegrama de António Aniceto Monteiro a Guido Beck]
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Senhor Director,
Tomo a liberdade, desde já, de lhe pedir que aceite os meus agradecimentos mais calorosos por se ter dignado receber a Sr.a O. Deimlová e pela atenção em lhe ter dado as informações relativas ao caso do Sr. António Monteiro que ela me transmitiu. Agradeço-lhe, ao mesmo tempo o benévolo interesse que se dignou conceder ao Sr. Monteiro.
Transmiti de seguida as suas informações aos meus amigos em Portugal e acabo de receber o seguinte telegrama do Sr. Monteiro:
«EMBAIXADA ATRIBUI DEMORA DIFICULDADES ENVIO DINHEIRO VIAGENS ORDEM EMBAIXADA PRONTO PARTIR PASSAPORTES REGRA DESDE OUTUBRO».
Concluí desse telegrama, que o Sr. António Monteiro está pronto a partir para tomar posse das suas funções na sua Faculdade e que todos os seus documentos de viagem estão em ordem. Suponho, que as dificuldades que o Sr. Monteiro eventualmente encontrou para obter a autorização indispensável para sair de Portugal foram superadas há alguns meses e que foram devidas a um simples mal-entendido. Seria, com efeito, espantoso que as autoridades portuguesas tivessem negado a Monteiro a autorização para assumir as suas funções se elas não tivessem a intenção de o reter em Portugal para lhe oferecerem uma cadeira equivalente àquela que lhe foi oferecida no Rio de Janeiro.
Por outro lado, sei que o Sr. Monteiro já preparou a sua partida, abandonando o seu apartamento em Lisboa etc. e receio que ele se veja colocado numa situação muito embaraçosa se a sua partida for consideravelmente atrasada. É por isso que tomo a liberdade de lhe pedir que se digne fazer as diligências úteis para assegurar uma partida próxima desse jovem sábio de talento excepcional. Além disso, coloco-me inteiramente ao seu dispor para fazer, pelo meu lado, as diligências que forem necessárias de modo a contribuir para solucionar rapidamente as dificuldades que ainda apareçam. Se se tratarem de dificuldades administrativas em Portugal, colocar-me-ei em contacto com os amigos que tenho em Portugal nas três universidades e nos ministérios logo que mas indique. Se, por outro lado, se tratam de dificuldades que podem ser resolvidas no Rio de Janeiro, preparei um relatório sobre a situação do Sr. Monteiro e sobre a sua capacidade científica que acabo de submeter aos professores de matemática das 6 universidades deste país e que tomarei a liberdade de lhe fazer chegar com as suas assinaturas para solicitar o apoio do Senhor Ministro da Educação Nacional no Rio de Janeiro.
Na esperança que o seu interesse e o seu benevolente apoio permita assegurar dentro em pouco a continuação dos trabalhos de pesquisa de importância universalmente reconhecida do Sr. Monteiro e na esperança de poder assim contribuir para a grande obra das vossas instituições peço-lhe, Senhor Director, que creia na expressão dos meus sentimentos respeitosamente dedicados
(Prof. Dr. Guido Beck)
[Carta de Guido Beck (Córdoba, Argentina) ao Director da Faculdade Nacional de Filosofia, Francisco Clementino San Tiago Dantas (Rio de Janeiro), de 19 de Janeiro de 1944]
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Ver a carta seguinte:
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Ver ainda:

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Registo de propriedade da PORTUGALIAE MATHEMATICA (10 e 13 de Outubro de 1942)


© Família de António Aniceto Monteiro
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No dia 2 de Outubro de 1978, foi tirada uma fotocópia autenticada deste documento, que pode ter servido para a transferência de propriedade da revista para a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM).
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Neste ano de 1942, Celestino da Costa foi demitido do cargo de presidente do Instituto para a Alta Cultura. A necessidade de efectuar este "registo de propriedade" pode estar relacionada com esse acontecimento. Veja:
1942: O ano das demissões de Celestino da Costa

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Declaração de 3 de Setembro de 1936

© Família de António Aniceto Monteiro
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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Certificado de registo criminal de 4 de Setembro de 1936


© Família de António Aniceto Monteiro

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Atestados médicos (de 1, 2 e 3 de Setembro de 1936)






© Família de António Aniceto Monteiro
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No início deste fatídico Setembro de 1936, António Aniceto Monteiro procurava concorrer a um lugar de actuário do Instituto Nacional do Trabalho; se obteve este lugar, ignoro. Uns dias depois, sairia o famigerado Decreto-lei n.º 27:003, de 14 de Setembro de 1936. Em virtude da imposição que este Decreto-lei determina, António Aniceto Monteiro perderia o seu lugar como assistente na FCUL, que ocupava, pago com uma bolsa do Instituto para a Alta Cultura.
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«Regressado ao País e mau grado o valor dos trabalhos que realizara no estrangeiro, não encontrou lugar no corpo docente de nenhuma das três Faculdades de Ciências do País. Passou então a viver com uma modestissima bolsa que o I. A. C. the concedeu; passados alguns meses, exigiram-Ihe, para poder continuar a ser bolseiro, a assinatura de um compromisso politico — que pessoa alguma Ihe havia imposto ao enviá-Io para o estrangeiro. Tendo-se recusado a assinar um compromisso que repugnava a sua consciência, deixou de ser bolseiro, e a sua vida e a dos seus decorreu, de aí em diante, em condições de dificuldade económlca que, por vezes, roçaram pela miséria.»

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

«Revelou as suas tendências para a investigação, quando ainda aluno da Faculdade de Ciências» (Um texto de Manuel Zaluar Nunes, de 1939)

António Monteiro, um dos novos de maior valor, revelou as suas tendências para a investigação, quando ainda aluno da Faculdade de Ciências com trabalhos que mereceram a atenção de alguns dos seus professores e o serem publicados nos Arquivos da Universidade de Lisboa. Terminado o curso logo procurou continuar os seus estudos o que lhe foi facilitado pela concessão de uma bolsa da Junta de Educação Nacional, havia pouco criada. Em Paris, para onde partiu, encontrou meio e condições de trabalho e conseguiu aquele incitamento e indicações necessários ao prosseguimento das suas investigações. Estas orientaram-se principalmente sobre a determinação das propriedades da equação integral de Fredholm, tendo introduzido a noção de aditividade de dois núcleos de Fredholm. Alcançou também resultados interessantes ao abordar certos problemas ligados à teoria das matrizes. As conclusões obtidas, resumidamente publicadas nos C. R. da Academia das Ciências de Paris, foram desenvolvidas e largamente ampliadas na tese que a convite do professor Maurice Fréchet, que muito o aprecia, apresentou em 1936 à Universidade de Paris onde obteve o grau de doutor.
 
Execerto de [Manuel Zaluar Nunes: Dr. António Ribeiro Monteiro. O Diabo, 1 de Julho de 1939]
 
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terça-feira, 11 de setembro de 2012

RELATÓRIO sobre a situação do Doutor António Monteiro de Lisboa (Guido Beck, 19 de Maio de 1944)


RELATÓRIO
Sobre a situação do Doutor António Monteiro de Lisboa
 
Eu, abaixo-assinado, Prof. Dr. Guido Beck, tendo tido ocasião de conhecer a situação do Doutor António Monteiro em Lisboa durante a minha actividade em Portugal no decorrer do ano académico de 1942 e tendo tido, de seguida, ocasião de me ocupar do caso desse jovem sábio de talento excepcional, tenho a honra de declarar o que se segue:
1.° O Sr. António Monteiro é um jovem matemático português, que, depois de ter feito os seus estudos em Paris sob a direcção do Sr. Maurice Fréchet, soube atrair, pelos seus trabalhos de pesquisa, a atenção geral dos círculos universitários do seu ramo. O valor excepcional dos seus trabalhos sobre a teoria dos espaços abstractos foi-me confirmado pelo Sr. Maurice Fréchet (Paris) e pelo Sr. J. v. Neumann (Princeton, N. J.)
2.° Tendo ensinado ao mesmo tempo que o Sr. Monteiro, em Novembro de 1942, na Universidade do Porto, tive, eu mesmo, ocasião de seguir um dos seus cursos e de me aperceber das suas altas qualidades como professor e como investigador. Além disso, verifiquei, em Lisboa, que o Sr. Monteiro teve a iniciativa de fundar, com menos de 35 anos de idade, uma escola muito prometedora de jovens, dos quais um, o Sr. Hugo Ribeiro, é já bem conhecido entre os matemáticos e trabalha actualmente na Escola Politécnica (E.T.H.) em Zurique (Suíça).
3.° Pude aperceber-me que é, sobretudo pelo mérito pessoal do Sr. António Monteiro, que Portugal dispõe actualmente de um periódico de matemática moderna, a «PORTUGALIAE MATHEMATICA» que figura entre as revistas mais consultadas desse ramo da ciência. A organização da investigação científica noutros ramos, particularmente em física, foi muito influenciada e facilitada em Portugal pela actividade do Sr. Monteiro.
4. ° O Sr. António Monteiro conseguiu alcançar estes resultados espantosos apesar de dificuldades consideráveis. O êxito da sua actividade só foi possível devido à dedicação extraordinária e desinteressada pela investigação e por um certo apoio por parte de alguns meios universitários portugueses e do «Instituto para a Alta Cultura» em Lisboa que lhe tinha assegurado uma modesta situação como empregado na biblioteca do Instituto de Matemática da Faculdade das Ciências.
5.° Dado que as universidades portuguesas não estão em condições de oferecer ao Sr. Monteiro uma situação correspondente às suas capacidades e possibilidades adequadas ao aproveitamento do seu talento com pleno rendimento, M. v. Neumann, professor na Universidade de Princeton (U.S.A.), está empenhado, desde há vários anos, em chamar a atenção para o caso do Sr. Monteiro nos meios científicos no Brasil, indicando ao mesmo tempo, que o Sr. Albert Einstein (actualmente em Princeton) estava disposto a apoiar todas as diligências a favor do Sr. Monteiro.
6.° Dado o facto, que a inactividade cientifica do Sr. Monteiro representa uma perda real para a investigação em matemática e, em particular, uma perda insubstituível para a contribuição dos países ibéricos na matemática contemporânea, o Senhor Professor G. Wattaghin da Universidade de São Paulo e eu próprio esforçámo-nos, após a minha chegada à América há um ano, em encontrar uma situação apropriada para o sr. Monteiro, de preferência num pais de língua portuguesa. Tivemos a felicidade de encontrar o benévolo apoio do Sr. Director da Faculdade Nacional de Filosofia no Rio de Janeiro e o Sr. António Monteiro foi designado titular da cadeira de Matemática Superior na dita Faculdade, com a aprovação do Ministério da Educação Nacional no Rio de Janeiro. O Sr. Monteiro aceitou as condições que lhe foram propostas por intermédio da Embaixada do Brasil em Lisboa e recebeu a ordem, por parte desta, para que se aprontasse para uma partida imediata em Outubro último. Tendo vendido a sua casa e tendo preparado tudo para a sua partida próxima, aguarda, actualmente no Porto, com a sua família em condições extremamente penosas.
Dada a situação extremamente difícil do Sr. António Monteiro devido ao atraso da ordem definitiva a dar à Embaixada do Brasil em Lisboa para facilitar a sua partida, tomo a liberdade de me dirigir a Sua Excelência, Senhor Ministro da Educação Nacional no Rio de Janeiro solicitando, com o apoio dos homens de ciência abaixo-assinados, que Vossa Excelência se digne usar a sua influência para assegurar uma continuação próxima dos trabalhos preciosos do Doutor António Monteiro dando as instruções necessárias relativas à viagem do Sr. Monteiro e da sua família.
Córdoba (Argentina), 19 de Maio de 1944.
Guião Beck m.p.

Nós, abaixo-assinados, tendo tomado conhecimento do relatório acima sobre a situação do Sr. António Monteiro em Lisboa, apoiamos calorosamente todas as iniciativas tendentes a assegurar as facilidades indispensáveis para a continuação a curto prazo dos trabalhos de investigação deste jovem sábio português:
E. Gaviola (Córdoba) m.p.
J. Rey Pastor (Buenos Aires) m.p.
B. Levi (Rosário) m.p.
A. Terracini (Tucumán) m.p.
M. Balanzat (San Luís) m.p.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Prefácio à Portugaliae Mathematica


A primeira revista portuguesa consagrada exclusivamente às Ciências Matemáticas foi o Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas, fundado, em 1877, pelo ilustre matemático Francisco Gomes Teixeira, de que foram publicados 14 volumes e que foi continuado em 1905 pelos Annaes Scientificos da Academia Polytecnica do Porto, publicados ainda sob a direcção do mesmo geómetra. Nos princípios deste século deixa, portanto, de existir em Portugal uma revista de carácter puramente matemático, precisamente na altura em que as ciências matemáticas iam entrar numa fase de grande desenvolvimento que nos vinte anos seguintes (de 1920 a 1940) toma o aspecto de uma corrente vertiginosa. É certo que durante este período se fundaram em Portugal várias revistas em que se publicaram trabalhos de matemática, mas a dispersão dos trabalhos portugueses de matemática por periódicos não especializados, nacionais ou estrangeiros, tem graves inconvenientes. O desenvolvimento da Ciência tem mostrado a necessidade imperiosa de se proceder a uma organização racional das publicações científicas. Na maior parte dos países não tem havido o cuidado de se proceder a uma tal organização com graves prejuízos para a Ciência, de uma maneira geral, e para a cultura dos diversos países, em particular. Julgamos por isso que o aparecimento  da revista Portugaliae Mathematica, consagrada exclusivamente às ciências matemáticas, contribuirá para o desenvolvimento dos estudos matemáticos em Portugal.
A Portugaliae Mathematica procurando arquivar nas suas páginas todos os trabalhos portugueses inéditos ou publicados nas revistas nacionais e estrangeiras contribuirá para dar uma idéia justa do movimento matemático em Portugal. A Portugaliae Mathematica procurará também contribuir para a cooperação internacional no campo das ciências matemáticas publicando trabalhos de matemáticos de outros países.
Ao Instituto para a Alta Cultura se deve a possibilidade de realização deste empreendimento, pelo auxílio financeiro e apoio moral concedidos desde o ano de 1936 em que se começou a impressão do primeiro fascículo desta revista.
O primeiro volume da Portugaliae Mathematica apareceu no período de 1937-1940. A partir do ano de 1941 será publicado um volume por ano com cerca de 300 páginas.
No período de organização da revista (1936-1940) houve que vencer inúmeras dificuldades. Quase desde a primeira hora encontrámos na cooperação dedicada de José da Silva Paulo um estímulo para a realização das primeiras tarefas. Mais tarde vêm em nosso auxílio Manuel Zaluar Nunes e Hugo Ribeiro, num momento em que as dificuldades e as tarefas se acumulavam. Uma distribuição racional do trabalho de organização deu nesse momento um impulso decisivo à revista. No momento em que termina a publicação do primeiro volume desta revista é justo recordar que esta tarefa se deve à dedicação destes três colaboradores  que, em centenas de horas de trabalho souberam montar e realizar os complexos serviços necessários a um empreendimento desta natureza.
Ao Pessoal técnico da «Imprensa Portuguesa» e em especial ao da «Sociedade Industrial de Tipografia Limitada» há que agradecer os esforços realizados no sentido de melhorar o aspecto gráfico desta revista.
Possa o Instituto para a Alta Cultura considerar como manifestação do nosso reconhecimento, os esforços que têm sido e continuarão a ser feitos no sentido de transformar esta revista num verdadeiro órgão da cultura matemática portuguesa.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Os objectivos da Junta de Investigação Matemática


por António Aniceto Monteiro 

[Porto, 1944. Esta foi uma das Palestras da JIM lidas ao microfone da Rádio Club Lusitânia, corajosamente cedido pelo proprietário. Foram oradores: Ruy Luís Gomes, António Monteiro, Corino de Andrade, Branquinho de Oliveira, Fernando Pinto Loureiro, José Antunes Serra, António Júdice, Armando de Castro, Carlos Teixeira e Flávio Martins.]
O aparecimento da ciência moderna foi determinado pela revolução industrial do século XVIII e por isso o pensamento científico teve a sua origem na vida da Indústria e não na vida das Universidades.
As Universidades eram, nessa época, centros de cultura humanista impenetráveis ao Renascimento Científico. A educação e a Investigação científica eram realizadas em organismos especialmente criados para esse fim. As instituições cuja actividade mais ilustraram a história da ciência francesa, por exemplo, do século XVI até aos fins do século XIX foram: o Colégio do Rei (fundado em 1530) que mais tarde seria o Colégio de França, o Jardim do Rei, a Escola de Pontes e Calçadas, a Escola de Minas, o Observatório de Paris, a Escola de Artilharia, a Academia das Ciências, a Academia de Arquitectura, a Academia de Cirurgia, a Escola Politécnica, a Escola Normal Superior, etc., etc.
Só depois da revolução industrial ter posto em evidência a importância da ciência é que ela penetrou nas Universidades, com uma lentidão que arrepia quando considerada a distância. Para ilustrar esta afirmação, basta notar que nos princípios do século XIX (mais precisamente em 1802) se exigiam para a entrada na Universidade de Harvard, na América do Norte, conhecimentos de Aritmética que não iam além da regra de três simples, e que na Alemanha o ensino das matemáticas elementares só passou das Universidades para os liceus entre 1810 e 1830. Mesmo em França, é preciso chegar aos fins do século XIX para que, com a Terceira República, as Universidades possam rivalizar com as chamadas Grandes Escolas.
No século XX a investigação científica aparece como um factor que desempenha um papel de primeiro plano na estruturação da vida das nações.
Nos países em que as Universidades não estiverem directamente ligadas e interessadas na resolução dos problemas fundamentais da vida económica da Nação, elas não podem desempenhar o papel de centros propulsores do progresso científico. Por isso as Universidades dos países mais avançados modificaram profundamente a sua feição, durante o século XX, com a criação de Seminários, Institutos, Centros de Estudo e Laboratórios destinados a transformá-las em grandes centros de investigação.
O facto da actividade científica ter crescido vertiginosamente nas últimas décadas, deu origem a numerosos problemas de organização difíceis de resolver. Um dos problemas mais discutidos e dos mais importantes é o das relações entre o ensino e a investigação. É um facto indiscutível que as Universidades não podem, só por si, atacar a resolução de todos os problemas que a vida põe, à Ciência, em cada época. Por isso, entre as duas grandes guerras deste século, se acentuou a tendência para organizar a investigação científica como um serviço público independente. A criação recente em Portugal, da Estação Agronómica Nacional, é um exemplo particular desta afirmação. Trata-se na realidade da transposição duma prática corrente na vida das grandes empresas industriais, em que um pessoal cientifico especialízado realiza, em laboratórios e institutos especiais, as pesquisas necessárias à vida dessas empresas. Mas se pensamos que a investigação científica deve ser organizada como um serviço público independente, e que só assim ela pode ser eficiente, no mundo de amanhã, isto não quer dizer que ela deva ser um privilégio desses serviços.
Ser investigador é um dever de todo o cidadão consciente das suas responsabilidades perante a sociedade, porque ser investigador é adoptar uma atitude crítica, perante a vida e o conhecimento, para chegar a novas conclusões.
Mas é claro que para investigar, em certos capítulos da ciência, é necessária uma preparação especial, um longo treino, uma escola. As Universidades têm, sob este aspecto, um papel importante a desempenhar, mas para isso é necessário que o ensino não vise exclusivamente a transmissão de conhecimentos, isto é, que ele não seja um ensino erudito e portanto estéril e infecundo.
Existem, na realidade, investigadores sem qualidades para o ensino; mas nenhum professor poderá iluminar as suas lições com cores vivas e profundas se não tiver vivido os problemas que trata, se não tiver investigado na disciplina que professa.
Torna-se necessário coordenar a actividade das Universidades e dos Institutos de Investigação com o objectivo de aumentar o rendimento da produção científica e facilitar a formação de quadros de investigadores.
Para realizar o apetrechamento intelectual do nosso país, em condições que permitem orientar com eficiência as actividades económicas para a libertação material do homem, é necessário organizar um plano adequado em que a clareza de visão se alie à viabilidade de execução.
Vamos indicar, em breves palavras, a importância da cultura matemática no apetrechamento intelectual do país.
A matemática – ou a ciência do cálculoé um método geral de pensamento aplicável a todas as disciplinas e desempenha portanto um papel dominante na ciência moderna.
A grande obra científica do século XVII foi a organização da Mecânica numa ciência em que é possível prever os fenómenos por meio do cálculo matemático. Esta conquista, a que está ligado o grandioso nome de Newton, criou uma base científica segura para a ciência das máquinas a vapor; para citar um exemplo cuja importância é desnecessário realçar. A Química transformou-se, no século XVIII, numa ciência em que o cálculo é possível e esta grande conquista da ciência desse século, foi a base fundamental para o desenvolvimento da Indústria Química. No século XIX a Física Matemática criou as bases científicas necessárias para o desenvolvimento da grande indústria. O século XX será possivelmente o século da Biologia Matemática. Podemos, em qualquer caso, afirmar que assistimos a uma verdadeira matematização de todos os ramos da ciência.
A Matemática aparece assim como uma disciplina fundamental de cujo progresso depende, em grande parte, o desenvolvimento de muitas outras. Prestar a devida atenção a esta circunstancia não é um acto de justiça é antes um acto de prudência e elementar bom senso.
É difícil descrever, exactamente, o estado em que se encontra a cultura matemática portuguesa, mas o mais importante é, como se compreende facilmente, comparar o ritmo do seu desenvolvimento com o dos países mais avançados. Encarada a questão sob este aspecto crucial, podemos afirmar que o movimento matemático português se caracteriza por um atrazo crescente em relação ao movimento matemático internacional.
No interesse da cultura, que é o interesse do país, é preciso olhar de frente para esta situação e tirar as consequências necessárias. Para desenvolver e actualizar a cultura matemática portuguesa, em condições que garantam a continuidade e eficiência da obra a realizar, é necessário subordinar essa tarefa a um plano de conjunto traçado com largas perspectivas.
Os matemáticos portugueses conscientes das suas responsabilidades perante o país e perante a cultura, resolveram unir-se para a realização das missões que o dever lhes impõe.
Em 4 de Outubro de 1943, um grupo – de investigadores portugueses fundou a Junta de Investigação Matemática e definiu os seus principais objectivos nos seguintes termos:
1.ºPromover o desenvolvimento da investigação matemática;
2.º  – Realizar os trabalhos de investigação necessários à economia da Nação e ao desenvolvimento das outras ciências;
3.°Sistematizar e coordenar a inquirição dos matemáticos portugueses;
4,°Vincular o movimento matemático português com o dos outros países e, em especial, com o dos países ibero-americanos;
5.° – Despertar na juventude estudiosa portuguesa o entusiasmo pela investigação matemática e a fé na sua capacidade criadora.
Os mesmos investigadores convidaram todas as pessoas interessadas a ingressarem neste agrupamento.
Estão hoje reunidos nesta Junta de Investigação Matemática a quase totalidade dos investigadores portugueses que têm dado provas de capacidade, grande dedicação e interesse efectivo pela desenvolvimento da cultura matemática portuguesa. Trata-se portanto duma organização que representa as forças vitais dessa cultura; o que revela a existência duma consciência profunda dos problemas da hora presente.
As ciências matemáticas tem um grande papel a desempenhar na construção dum Portugal feliz e progressivo, A Indústria, a Agricultura, a Metereologia, a Aviação, a Navegação, a Estatística, os Seguros, a Engenharia, as Finanças, são baseadas no cálculo matemático.
Criar as bases fundamentais para o aperfeiçoamento e actualização da nossa cultura matemática é uma tarefa gigantesca que só pode ser realizada por vontades disciplinadas que saibam subordinar o interesse individual ao interesse colectivo.
Quando os matemáticos portugueses, sem serem solicitados, sem serem forçados, mas animados do grande desejo de servir a Nação, fundaram a Junta de Investigação Matemática, disseram ao país; para cumprir os nossos deveres, estamos presentes.