segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

«O Aniceto Monteiro disse-me...»: carta de Abel Salazar a Celestino da Costa de 1942

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Seja como for, este incidente [a demissão de Celestino da Costa do Instituto de Alta Cultura] veio pôr bruscamente em evidência as gerais simpatias dos nossos meios científicos pelo prof. Celestino, e o reconhecimento pela sua obra e serviços prestados. Não lhe falo como velho amigo, mas como simples observador, pois tenho notado com prazer este movimento de simpatia para com o prof. Celestino. Pelos informes do Ruy e do Corino sei o que se pensa em Lisboa: e todos esses informes revelam ao mesmo tempo a inquietação produzida pelo incidente e a atmosfera de simpatia que ele determinou a seu respeito. A justiça que lhe fazem amigos é menos impressionante do que a que lhe fazem indiferentes e até inimigos — mesmo aqueles que com razão ou sem razão — tinham qualquer razão de queixa da Alta Cultura.
O Aniceto Monteiro disse-me: — É o único homem que sabe ver as coisas e com quem a gente pode entender-se, e o Corino por seu turno tem afirmado por toda a parte: — Pense-se o que se quiser sobre o prof. Celestino, ele é, entre nós, o único homem indicado para aquele lugar. Cito estas afirmações porque elas definem bem a corrente geral.
De resto, como disse, o contraste entre a antiga e a moderna direcção da Alta Cultura é de tal calibre e tem feito tal impressão, que eu suponho que isto, tarde ou mais cedo, terá de sofrer um remendo... a não ser que tudo isto leve água no bico.
Em suma, saiu deste incidente com força moral aumentada e o seu nome mantém uma esperança. É já alguma coisa no meio deste descalabro moral que é a vida portuguesa.
(...)

(Abel Salazar - 96 cartas a Celestino da Costa)


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domingo, 23 de janeiro de 2011

Relatórios do "informador habitual" da PIDE no Brasil

Os documentos aqui reproduzidos constam do Processo 558/67-SR, NP-3577 do Arquivo da PIDE/DGS, relativo a António Aniceto Monteiro, existente na Torre do Tombo (IAN/TT).
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Observações:
1. Curioso que uma das pessoas mencionadas seja o Capitão João Sarmento Pimentel que depois de, provavelmente, se ter cruzado com o tenente Monteiro no sul de Angola em 1915, talvez se tenha encontrado com o filho, António Aniceto Monteiro, no Brasil, 47 anos depois.
2. Importa chamar a atenção para o seguinte facto: é bem provável que, nos anos sessenta, a PIDE tivesse no Brasil, pelo menos, dois informadores, um dos quais mostrava "serviço" enviando relatórios falsos. Isto evidencia até que ponto há que ser prudente quando se examina um documento escrito. Não é objectivo deste blogue fazer a história da PIDE, dos seus informadores, dos seus agentes infiltrados, etc. Por esse motivo nada mais se adianta.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Memórias do Capitão (no sul de Angola em 1915): A FERRO E FOGO (3)

João Sarmento Pimentel, Memórias do Capitão. Editorial Inova, Porto, 1974
Este livro tem dois capítulos dedicados à guerra no sul de Angola: "O «Cabo Verde»" e "A ferro e fogo". Ambos se passam em 1915, o ano da morte do tenente Monteiro. [A propósito de Angola e António Aniceto Monteiro].
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Ver ainda:
Cartas de António Aniceto Monteiro sobre o início da Guerra Colonial em Angola há, exactamente, 50 anos.

Memórias do Capitão (no sul de Angola em 1915): A FERRO E FOGO (2)

João Sarmento Pimentel, Memórias do Capitão. Editorial Inova, Porto, 1974
Este livro tem dois capítulos dedicados à guerra no sul de Angola: "O «Cabo Verde»" e "A ferro e fogo". Ambos se passam em 1915, o ano da morte do tenente Monteiro. [A propósito de Angola e António Aniceto Monteiro].
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Ver ainda:
Cartas de António Aniceto Monteiro sobre o início da Guerra Colonial em Angola há, exactamente, 50 anos.

Memórias do Capitão (no sul de Angola em 1915): A FERRO E FOGO (1)

João Sarmento Pimentel, Memórias do Capitão. Editorial Inova, Porto, 1974
Este livro tem dois capítulos dedicados à guerra no sul de Angola: "O «Cabo Verde»" e "A ferro e fogo". Ambos se passam em 1915, o ano da morte do tenente Monteiro. [A propósito de Angola e António Aniceto Monteiro].
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Ver ainda:
Cartas de António Aniceto Monteiro sobre o início da Guerra Colonial em Angola há, exactamente, 50 anos.

Memórias do Capitão (no sul de Angola em 1915): O «CABO VERDE»

João Sarmento Pimentel, Memórias do Capitão. Editorial Inova, Porto, 1974
Este livro tem dois capítulos dedicados à guerra no sul de Angola: "O «Cabo Verde»" e "A ferro e fogo". Ambos se passam em 1915, o ano da morte do tenente Monteiro. [A propósito de Angola e António Aniceto Monteiro].
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Ver ainda:
Cartas de António Aniceto Monteiro sobre o início da Guerra Colonial em Angola há, exactamente, 50 anos.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Hugo Ribeiro e Pilar Ribeiro

Hugo Ribeiro (16 de Maio de 1910 - 26 de Fevereiro de 1988) e Pilar Ribeiro (5 de Outubro de 1911)
na
The Pennsylvania State University (cerca de 1970)
Digitalização de Jorge Rezende

HUGO BAPTISTA RIBEIRO malemático portugués que só pôde ensinar numa Universidade portuguesa depois do 25 de Abril, Bol. Soc. Port. Mat. 12 (1989), 31–42, por José Morgado (PDF)
José Cardoso Morgado: Hugo Baptista Ribeiro matemático português que só pôde ensinar numa Universidade portuguesa depois do 25 de Abril (blogue José Cardoso Morgado)
Com efeito, em Junho de 1942, tinha-se realizado na Faculdade de Ciências do Porto o Congresso Luso – Espanhol para o Progresso das Ciências e tínhamos assistido à secção em que Hugo Ribeiro apresentou a sua comunicação. Tratava-se de alguns resultados que obtivera, em colaboração com António Aniceto Monteiro, sobre operadores de fecho em Sistemas Parcialmente Ordenados, resultado que foram depois publicados na revista Portugaliae Mathematica. (vol.3 (1942), pp 177 – 184).
Amigo e colaborador de António Aniceto Monteiro, sempre Hugo Ribeiro apoiou activamente as suas iniciativas no sentido de despertar o interesse dos jovens pela Matemática e fomentar o gosto pela investigação, nomeadamente as iniciativas que conduziram à criação das revistas Gazeta de Matemática e Portugaliae Mathematica, à fundação do Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa e da Sociedade Portuguesa de Matemática.
A Gazeta de Matemática, jornal especialmente destinado a melhorar a preparação matemática dos estudantes, foi fundada em 1940, por António Monteiro, Bento Caraça, Hugo Ribeiro, José da Silva Paulo e Manuel Zaluar Nunes.
(...)
O penúltimo artigo que Hugo Ribeiro publicou na Portugaliae foi incluído no vol. 39 (1980), dedicado à memória de António Monteiro, falecido em 29 de Outubro de 1980, em Bahia Blanca (Argentina). O artigo intitula-se “Actuação de António Aniceto Monteiro em Lisboa entre 1939 e 1942” e é bem um testemunho da amizade e admiração que sempre teve por Aniceto Monteiro.
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[Nota: Este artigo contém mais referências a António Aniceto Monteiro]

THE MATHEMATICIAN HUGO RIBEIRO, by Jorge Almeida. PORTUGALIAE MATHEMATICA, Vol. 52 Fasc. 1, 1995
[Nota: Este artigo contém várias referências a António Aniceto Monteiro, claro]

Maria do Pilar Ribeiro

A guerra no sul de Angola em 1915 (2)

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A grande dificuldade em obter elementos necessários para uma conveniente linha de étapes através dos distritos de Mossamedes e Huila levou-me a nem sequer poder pensar em estabelecer uma outra linha baseada no caminho de ferro de Benguela e que com aquela cooperasse, pois mesmo só para a linha que estabeleci, tive que lançar mão das praças do batalhão de infantaria 14 que ainda estavam em estado de fazer serviço e tive que mandar ir de Loanda uma bateria de artilharia 3 e a companhia de infantaria 20, sendo as duas primeiras completamente desfeitas bem como a bateria de artilharia 2 que estava em Mossamedes e uma outra bateria de montanha que se encontrava na Chibia.
A organisação da linha de étapes foi estabelecida segundo a proposta do director do serviço de étapes levemente modificada e o seu funcionamento consta dos relatórios do mesmo director e do seu chefe do estado maior.
Tendo recebido comunicações, ainda que vagas, que assinalavam a presença de alemães no nosso posto abandonado do Cuangar, com tendência a internarem-se pelo vale do Cubango, resolvi reforçar as tropas da região de Cassinga e assim criei um destacamento com o fim de vigiar o referido vale, destacamento cujo comando dei ao major de Infantaria Reis e Silva, que recebeu as devidas instruções.
Durante esta minha primeira estada em Mossamedes, foram-se sucessivamente montando os diferentes serviços para o que fiz publicar o seguinte:

Instruções para o serviço telegráfico.
Instruções para o serviço postal.
Instruções para a contabilidade e fiscalisação.
Instruções para o serviço dos depósitos de fardamento e subsistencias.
Instruções para o serviço do rebanho de abastecimento e parque de rezes.
Instruções para o serviço das padarias.

Nesta altura teve lugar o primeiro contacto das forças do meu comando com o gentio revoltado, contacto efectuado pelas nossas tropas avançadas que se encontravam no Tchicusse, sob o comando do 1º tenente Cerqueira, e que a pedido instante do superior da missão de Tchipelongo foram em socorro da mesma, inflingindo uma severa lição ao gentio, e portando-se com uma valentia que bem mostrou quanto tinha a esperar dessas belas tropas (batalhão de marinha e 15ª companhia indígena de Moçambique) que mais tarde nos combates de Mongua tão brilhantemente se houveram. O que foi esta primeira entrada em operações, não prevista, muito bem o diz o relatório do lº tenente Cerqueira. Também por essa ocasião eu estava já ilucidado sobre a situação além Cunene, relativamente aos alemães, pois tinha recebido relatórios de reconhecimentos que confirmavam a sua ausência da: proximidades de Naulila e de toda a fronteira de ali para o Sul.
Para haver a menor perda de tempo na realisação de todas as medidas tendentes à aceleração da entrada em operações, combinei com o chefe do estado maio o seguinte:
Ficar ele em Mossamedes a ultimar a mobilisação das unidades ali estacionadas para providenciar sobre o desembarque das novas locomotivas e dos automóveis e para pôr as primeiras a trabalhar e os segundos em marcha para o Lubango, e ir eu para esta localidade, acompanhado pelo sub-chefe do estado maior e por um dos meus ajudantes, para aí activar tudo o que respeitava ás linhas de étapes, na direcção de Cassinga e do Cunene, e á preparação do avanço para o Humbe de parte das forças estacionadas no planalto, afim de ali se estabelecer a base das operações a efectuar alem Cunene.
Fiz avançar para os Gambos o batalhão de infantaria 17 e a bateria de metralhadoras, que estava na Chibia, e para o Tchiepépe o esquadrão de cavalaria 11, que estava na Humpata: forneci ao batalhão de marinha e á 15ª companhia indigena de Moçambique o que careciam para poderem avançar e constitui o destacamento destinado à reocupação do Humbe e tendo-me o chefe do estado maior telegrafado participando que duas novas locomotivas já trabalhavam e que se estava a ultimar a montagem da terceira, a maior, estando ao mesmo tempo em caminho de Lubango os 70 camions desembarcados no dia 19 de Junho em Mossamedes (os outros 10 já tinham dias antes chegado a Lubango) telegrafei-lhe por minha vez dizendo que marchasse a juntar-se-me nos Oambos, para iniciarmos o avanço para o Humbe. Tendo ele ali chegado a 3 de Julho, imediatamente partimos, em automóvel, para o Tchecusse, onde o destacamento destinado a recuperar o Humbe já estava concentrado. Este destacamento era comandado pelo coronel Veríssimo de Sousa, que tinha como chefe do estado maior, o capitão de artilharia, com o curso do estado maior, José Esteves de Mascarenhas. Um outro destacamento constituído apenas por parte dos esquadrões de cavalaria nº 9 e 11 e pelos auxiliares boers, comandado pelo major Vieira da Rocha, saiu na mesma ocasião dos Gambos igualmente com destino ao Humbe, mas devendo marchar pelo Otchinjau e Dongoêna para bater esta ultima região. Havendo toda a conveniência em estabelecer comunicações directas entre os Gambos e o Mulondo, encarreguei o capitão Roby, meu oficial ás ordens, de realisar o reconhecimento dos caminhos entre essas localidades, tendo esse oficial iniciado a marcha no dia 3 de Julho.



II
Execução das Operações

O destacamento destinado á reocupação do Humbe, conseguiu alcançar o seu objectivo no dia 7 de Julho, ás 14 horas, sem ter encontrado a menor resistência por parte do gentio, mas lutando com grandes dificuldades em agua, pois as cacimbas que se encontravam ao longo do Caculovar estavam quasi completamente secas. Momentos depois do destacamento do comando do coronel Veríssimo chegar ao Humbe, ahi chegou íambem o destacamento comandado pelo major Vieira da Rocha, o qual conseguiu raziar a região que percorreu sem nenhuma entrave.
A residência do Humbe, a fortaleza e as suas casas dos comerciantes, eram encontradas incendiadas, tendo o incêndio tido lugar por ocasião da retirada de Naulila. Acampadas as tropas no Humbe, no terreno com-prehendido entre a fortaleza, principiaram as apresenções de gentio, notando-se porem que este se fazia representar quási exclusivamente por velhos, mulheres e crianças (todos com aspecto esquelético). Os homens válidos tinham passado o Cunene, procurando refugio no Cuamato e no Cuanhama.
No dia 9 fui, com o chefe do estado maior e outros oficiais do meu quartel general, reconhecer o Cunene, junto do forte Roçadas, e verifiquei que este forte também fora incendiado, encontrando-se nele apenas alguns leitos de ferro em estado de se aproveitarem. Demorei-me no Humbe até ao dia 11 e as informações que ali colhi sobre os alemães, e os indígenas eram, quanto aos primeiros, que a sua presença junto á fronteira só se assinalava para os lados do Cuangar, e quanto aos segundos, que se mantinham na espectativa, nada dispostos a apresentarem-se e, pelo contrario, resolvidos a oporem-se á nossa marcha alem Cunene. Sendo necessário activar o mais possível a concentração no Humbe do grosso das forças do meu comando, e tendo eu reconhecido que a simples acção da minha presença muitas dificuldades fazia desaparecer, resolvi voltar ao Lubango para fazer completar os preparativos para a marcha das unidades que ainda se encontravam no planalto, mas, como ao mesmo tempo era necessário completar a organização da base de operações, no Humbe, fazer reconhecimentos no Cunene e consolidar as posições, contra qualquer tentativa de agressão ás tropas já ai estacionadas, por parte dos alemães ou do gentio, ou de ambos os inimigos, julguei conveniente, durante a minha curta ausência, encarregar da orientação directa desses trabalhos o meu chefe de estado maior, que por isso ali deixei, acornnhado de um dos meus ajudantes e de um adjunta do meu Quartel General.
Recebi no Lubango o telegrama participando que os alemães da Damaraland se tinham rendido ao general Botha e com verdade deve dizer-se que foi esta a noticia mais desagradável que em toda a campanha me chegou. Mas como o homem põe e Deus dispõe, necessário era adaptar-me à nova situação, encará-la tal como os factos a apresentavam e tomar imediatamente as medidas correlativas. Ficava só em campo o gentio, tinha-se portanto simplificado a minha tarefa, mas nem por isso ela tinha ficado, como à primeira vista poderá parecer, uma tarefa fácil.
O gentio revoltado era aguerrido e muito numeroso (Cuanhama, Cuamato, Evale, alguns Cuanbis, e foragidos do Humbe e Dongoêna), segundo dados colhidos em autoridades, como Eduardo Costa e João de Almeida, e as informações por mim obtidas, o seu efectivo total deveria orçar por uns oitenta a cem mil combatentes e era necessário ter em conta que tinham o moral muito levantado pela retirada das nossas forças após os acontecimentos de Naulila, e tinham sido em grande parte instruídos pelos alemães, dando-se ainda a circunstancia de à frente da coligação se encontrarem os Cuanhamas, que nunca tinham sofrido o nosso dominio e cujo estado de civilisação já era, segundo todas as fontes de informação, muito apreciável.
A missão que tinha neste momento a efectuar era portanto a ocupação do Cuanhama e a reocupação de todo o outro território de alem Cunene que tinha sido abandonado, e que representava uma área enorme a submeter simultânea e rapidamente, por isso que havia necessidade de ter as operações terminadas no inicio das chuvas (fins de Setembro) afim de não correr o risco de ficar com as estradas intransitáveis, e havia igualmente necessidade de encurtar o mais possível a permanência alem Cunene de grandes efectivos que a importância da coligação gentílica e a necessidade de simultaneidade de acção exigia, porque a deficiência dos meios rápidos de transporte não permitia alimentar esses efectivos a tão grande distancia do litoral (600 kilometros) senão o tempo indispensável para quebrar a resistência ao adversário, ficando depois das regiões batidas só as tropas indispensáveis para a sua occupação.
Como. a rendição dos alemães tornava desnecessária uma forte observação no Vale do Cubango, ficava-me disponível o destacamento de Cassinga; do comando do major Reis e Silva, e por isso concebi o seguinte projecto de operações que depois executei. Esse destacamento retrocederia para o Capelongo: desceria o Cunene até ao Mulondo e aí aguardaria ordem para oportunamente seguir até ao Caiu e ir reocupar o Évale; e com as restantes forças a concentrar no Humbe, eu constituiria mais três destacamentos: um bastante forte, para ocupar o Cuanhama; outro um pouco mais fraco, para reocupar o Cuamato, e outro ainda mais fraco para reocupar o Dongoêna, Naulila e vigiar as passagens do Cunene, dali até ás cataratas de Ruacana. Poderá parecer uma incoerência que, tendo eu no meu primeiro projecto de operações, apresentado em Lisboa a Sua Exª o Ministro das Colónias, em vista proceder com as forças do meu comando o mais concentradas possível, agora as divida por quatro destacamentos, porem tal incoerência não existe, porque na guerra é preciso adaptar sempre a nossa conduta ás circunstancias e estas muito tinham variado.
Esse primeiro projecto de operações era para opor a alemães e portanto, visava a que, por forma alguma nos viéssemos a chocar com eles sem termos uma garantida superioridade numérica: ao passo que o que eu ia de facto executar era contra indígenas, cujo valor guerreiro, apesar de considerável, se não deixa comparar com os alemães, e contra indígenas que pelos motivos atraz apontados, tinham de ser rapidamente batidos, e essa rapidez só com simultaneidade de acção se podia obter, simultaneidade que tinha ainda como consequência muito valiosa o evitar a acção em massa do indígena, pois cada qual trataria, sem duvida de defender o seu território logo que o visse atacado. Alem disso apesar da ausência da telegrafia sem fios, por mim tão insistentemente pedida e que preciosos serviços prestaria na ligação dos destacamentos, estes, dada a distancia a que operariam uns dos outros, poderiam dar-se a mão, em caso de necessidade.
Mas a amentar as dificuldades da minha tarefa ainda havia a circunstancia muito ambaraçosa de eu, tendo carros alentejanos e muares bastantes para dotar as unidades com os transportes indispensáveis para uma marcha em boas condições, ter de reduzir o mais possível o numero de carros e ter, de em vez das duas parelhas por carro que a natureza arenosa do terreno exigia, destinar-lhe apenas uma parelha, visto a impossibilidade de transportar agua e forragens para tanto gado, pois a região a atravessar não tinha água nem capim e os camions mal chegarem para o transporte de viveres e água para o pessoal. São evidentes as dificuldades que resultariam de aumento de pessoal e gado.
(...)
A Campanha do Sul de Angola, Página 103

Pereira de Eça, Campanha do Sul de Angola em 1915. Lisboa, Imprensa Nacional, 1921 (109 páginas). O fragmento aqui reproduzido é das páginas 74-83.

Nota:
«O pai de António Aniceto Monteiro chamava-se António Ribeiro Monteiro e era alferes de infantaria quando, em 4 de Julho de 1905, foi requisitado para desempenhar uma comisão de serviço dependente do Ministério da Marinha e Ultramar na construção do caminho de ferro de Mossâmedes. Dois dias depois, na Paróquia dos Anjos, casou com Maria Joana Lino Figueiredo da Silva, “tendo sido dispensados dos proclamas por provisão de Exmo. Prelado” [AAM-CM] datada da véspera. No dia seguinte ao casamento, António Ribeiro Monteiro embarcou para Angola. Dez anos depois, dia por dia, a 7 de Julho de 1915, na sua casa de Mossâmedes, na rua dos Pescadores, morreu de doença, contraída durante operações militares resultantes da guerra no sul de Angola. Era então tenente de infantaria e deixou Maria Joana viúva e órfãos os dois filhos, Maria Petronila e António Aniceto, de nove e oito anos, respectivamente.»