Manuel Valadares e António Aniceto Monteiro em Paris
© Família de António Aniceto Monteiro
Digitalização de Jose MarcileseUMA CARTA cuja publicação foi recusada por um jornal de Lisboa
Sr. Carvalhão Duarte, dig.mo director do jornal República; — Enviei há dias ao sr. director do jornal Diárlo da Manhã, a carta de que hoje vos remeto cópia. Esperei em vão a sua publicação nesse jornal, mas porque tal não sucedeu, venho, rogar-Ihe, sr. director, o obséquio de a inserir no jornal que v. dirige.
Atingir-se-ão, assim, dols objectivos: — o de desagravar um homem que se encontra presentemente no estrangeiro e que ao país prestou relevantes serviços e o de fornecer ao público um test do respeito que o sr. director do Diário da Manhã tem pela dignidade alheia.
Com os meus antecipados agradecimentos, queira v. aceitar os cumprimentos do adm.or mt.o obg.o — Manuel Valadares.
Lisboa, 7 de Novembro de 1945.
«Ex.mo Sr. director do jornal Diário da Manhã: — No número de anteontem do jornal que v. ex.a dirige, encontram-se, sob o titulo :«Algumas vitimas da opressão, da incultura, da má administração e do retrocesso em materia educativa...», as seguintes afirmações:
«António Anlceto Monteiro, nem sequer chegou no seu regresso, a dar aulas da sua especlalidade. Finalmente, partiu para o Brasil, onde é professor. E diz que sabe da sua poda: — o País, todavia, não sabia quanto lhe custou a preparação de um matemátlco... para uso externo».
«Para completa elucidação dos leitores do Jornal Diário da Manhã peço a v. ex.a se digne publicar o que segue.
«António Monteiro partiu para Paris, como bolseiro da Junta de Educação Nacional, em 1930. Aí, após ter suprido as deficiências de preparação com que tinha saído da nossa Universidade, reallzou trabalhos de investigação que lhe permitiram obter o titulo de doutor pela Faculdade de Ciências de Paris, Além desta prova do valor dos seus trabalhos, existem certamente dos arquivos da Junta, hoje Instituto para a Alta Cultura, as informações dos professores com que António Monteiro lidou a atestarem das suas qualidades de trabalho e inteligência. Suponho mesmo que o nome de António Monteiro é o úniico nome de matemático português que o volume, consagrado à matemática, da Enciclopédia francesa cita.
Regressado ao País e mau grado o valor dos trabalhos que realizara no estrangeiro, não encontrou lugar no corpo docente de nenhuma das três Faculdades de Ciências do País. Passou então a viver com uma modestissima bolsa que o I. A. C. the concedeu; passados alguns meses, exigiram-Ihe, para poder continuar a ser bolseiro, a assinatura de um compromisso politico — que pessoa alguma Ihe havia imposto ao enviá-Io para o estrangeiro. Tendo-se recusado a assinar um compromisso que repugnava a sua consciência, deixou de ser bolseiro, e a sua vida e a dos seus decorreu, de aí em diante, em condições de dificuldade económlca que, por vezes, roçaram pela miséria.
Pois bem; apesar de não pertencer à Universidade nem ao I. A. C.; apesar das condições dificílimas da sua vida, esse homem realizou, no período que decorre desde a sua vinda do estrangeiro até à sua partlda para o Brasil, uma obra cultural no campo das matemáticas que não teme paralelo com a de qualquer outro português. Fundou e dirigiu as revistas Portugaliae Mathematlca e Gazeta de Matemática; a seu pedido, foi fundado, e sob a sua orientação funcionou, o Centro de Estudos de Matemática, anexo à Faculdade de Ciências de Lisboa, onde, entre uma obra vasta, convém salientar aquela que realizou da formação de novos investigadores; efectuou, em escolas superiores portuguesas, cinco cursos extrauniversitários; deu uma contribuição apreciável para os trabalhos do Centro de Estudos Matemáticos da Universidade do Porto; organizou e dirigiu os serviços de inventariação da bibliografia científica existente no País; dirigiu dois seminários de matematica, um em Lisboa, outro no Porto; publicou dois iivros de matemática e alguns fasciculos da série «Topologia», editada pelo Centro de Matemática do Porto; fundou, com os professores Aureliano Mira Fernandes e Rul Luiz Gomes, a Junta de Investigação Matemática; finalmente, realizou numerosos trabalhos de investigação científica.
Foi certamente o conhecimento desta obra vastísslma de investigador e de impulsionador, realizada, aliás, nas piores condições, que levou os professores Einstein e von Neuman a sugerirem à Universidade do Rio de Janeiro a vantagem que esta teria em contar no seu corpo docente um tal homem. António Monteiro partiu nos primeiros meses deste ano para o Rio e aí rege hoje o curso de Análise Superior e dirige o seminário de investigação matemática.
Aqui estão, sr. director, as informações — ainda que sucintas — que me parecem permitirão aos leitores do jornal que v. ex.a dirige formarem uma ideia mais objectiva do caso António Monteiro.
Não sei o que, ao findar a leitura destas linhas, eles pensarão, mas creio que todos os Portugueses que ponham os interesses da Nação acima dos interesses de partido ou pessoais ambicionarão — como eu — que, ao terminar o prazo do seu contrato de professor no Rio de Janeiro, António Monteiro possa regressar ao país para aqui ocupar, no ensino e na investigação matemática, o lugar de primacial relevo a que Ihe dá jus o somatório invulgar das suas qualidades de iniciativa, de inteligência, de saber e de carácter.
Pela publicação destas linhas ficar-lhe-ei muito grato.
Lisboa, 31 de Outubro de 1945.
a) Manuel Valadares
Atingir-se-ão, assim, dols objectivos: — o de desagravar um homem que se encontra presentemente no estrangeiro e que ao país prestou relevantes serviços e o de fornecer ao público um test do respeito que o sr. director do Diário da Manhã tem pela dignidade alheia.
Com os meus antecipados agradecimentos, queira v. aceitar os cumprimentos do adm.or mt.o obg.o — Manuel Valadares.
Lisboa, 7 de Novembro de 1945.
«Ex.mo Sr. director do jornal Diário da Manhã: — No número de anteontem do jornal que v. ex.a dirige, encontram-se, sob o titulo :«Algumas vitimas da opressão, da incultura, da má administração e do retrocesso em materia educativa...», as seguintes afirmações:
«António Anlceto Monteiro, nem sequer chegou no seu regresso, a dar aulas da sua especlalidade. Finalmente, partiu para o Brasil, onde é professor. E diz que sabe da sua poda: — o País, todavia, não sabia quanto lhe custou a preparação de um matemátlco... para uso externo».
«Para completa elucidação dos leitores do Jornal Diário da Manhã peço a v. ex.a se digne publicar o que segue.
«António Monteiro partiu para Paris, como bolseiro da Junta de Educação Nacional, em 1930. Aí, após ter suprido as deficiências de preparação com que tinha saído da nossa Universidade, reallzou trabalhos de investigação que lhe permitiram obter o titulo de doutor pela Faculdade de Ciências de Paris, Além desta prova do valor dos seus trabalhos, existem certamente dos arquivos da Junta, hoje Instituto para a Alta Cultura, as informações dos professores com que António Monteiro lidou a atestarem das suas qualidades de trabalho e inteligência. Suponho mesmo que o nome de António Monteiro é o úniico nome de matemático português que o volume, consagrado à matemática, da Enciclopédia francesa cita.
Regressado ao País e mau grado o valor dos trabalhos que realizara no estrangeiro, não encontrou lugar no corpo docente de nenhuma das três Faculdades de Ciências do País. Passou então a viver com uma modestissima bolsa que o I. A. C. the concedeu; passados alguns meses, exigiram-Ihe, para poder continuar a ser bolseiro, a assinatura de um compromisso politico — que pessoa alguma Ihe havia imposto ao enviá-Io para o estrangeiro. Tendo-se recusado a assinar um compromisso que repugnava a sua consciência, deixou de ser bolseiro, e a sua vida e a dos seus decorreu, de aí em diante, em condições de dificuldade económlca que, por vezes, roçaram pela miséria.
Pois bem; apesar de não pertencer à Universidade nem ao I. A. C.; apesar das condições dificílimas da sua vida, esse homem realizou, no período que decorre desde a sua vinda do estrangeiro até à sua partlda para o Brasil, uma obra cultural no campo das matemáticas que não teme paralelo com a de qualquer outro português. Fundou e dirigiu as revistas Portugaliae Mathematlca e Gazeta de Matemática; a seu pedido, foi fundado, e sob a sua orientação funcionou, o Centro de Estudos de Matemática, anexo à Faculdade de Ciências de Lisboa, onde, entre uma obra vasta, convém salientar aquela que realizou da formação de novos investigadores; efectuou, em escolas superiores portuguesas, cinco cursos extrauniversitários; deu uma contribuição apreciável para os trabalhos do Centro de Estudos Matemáticos da Universidade do Porto; organizou e dirigiu os serviços de inventariação da bibliografia científica existente no País; dirigiu dois seminários de matematica, um em Lisboa, outro no Porto; publicou dois iivros de matemática e alguns fasciculos da série «Topologia», editada pelo Centro de Matemática do Porto; fundou, com os professores Aureliano Mira Fernandes e Rul Luiz Gomes, a Junta de Investigação Matemática; finalmente, realizou numerosos trabalhos de investigação científica.
Foi certamente o conhecimento desta obra vastísslma de investigador e de impulsionador, realizada, aliás, nas piores condições, que levou os professores Einstein e von Neuman a sugerirem à Universidade do Rio de Janeiro a vantagem que esta teria em contar no seu corpo docente um tal homem. António Monteiro partiu nos primeiros meses deste ano para o Rio e aí rege hoje o curso de Análise Superior e dirige o seminário de investigação matemática.
Aqui estão, sr. director, as informações — ainda que sucintas — que me parecem permitirão aos leitores do jornal que v. ex.a dirige formarem uma ideia mais objectiva do caso António Monteiro.
Não sei o que, ao findar a leitura destas linhas, eles pensarão, mas creio que todos os Portugueses que ponham os interesses da Nação acima dos interesses de partido ou pessoais ambicionarão — como eu — que, ao terminar o prazo do seu contrato de professor no Rio de Janeiro, António Monteiro possa regressar ao país para aqui ocupar, no ensino e na investigação matemática, o lugar de primacial relevo a que Ihe dá jus o somatório invulgar das suas qualidades de iniciativa, de inteligência, de saber e de carácter.
Pela publicação destas linhas ficar-lhe-ei muito grato.
Lisboa, 31 de Outubro de 1945.
a) Manuel Valadares