terça-feira, 4 de setembro de 2012

«Se não conseguirmos criar um movimento forte contra esta política, essa gente não vai parar. É preciso que o maior número possível de escolas e de cientistas protestem publicamente contra a perseguição dos homens de ciência de Portugal. É um dever de solidariedade para qualquer homem de ciência e um dever político para um antifascista.» (Carta de António Aniceto Monteiro a Guido Beck, 1947)

Manuscrita (francês)
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Rio, 19 de Junho de 1947
Meu caro amigo: Agradeço-lhe infinitamente as suas cartas de 13 e 14 deste mês. Recebi o envelope com os cr. $2.500,00 que enviou por intermédio do Albert, com muitos abraços e saudades. Agradeço-lhe. Vejo que você paga as suas dívidas, o que continua a ser um fenómeno extraordinário na época actual.
Deve conhecer, já, o que se passou em Portugal nestes últimos dias: 21 professores e assistentes da universidade foram expulsos. Em algumas especialidades foi um desastre. Em física, por exemplo; Valadares, Marques da Silva e Gibert! Penso que é preciso agir rapidamente para salvar esses cientistas.
Acabo de receber hoje uma carta de Flávio Resende, que era professor de Botânica da Faculdade de Ciências de Lisboa. É um dos nossos melhores botânicos. Ele estudou na Alemanha, durante 5 ou 6 anos. Há pessoas que o conhecem, em São Paulo, segundo o que ele diz: «Toledo de Piza da Escola de Agricultura, Luís de Queiroz e [Pavana] creio que do Instituto de Biologia de S. Paulo.»
É o primeiro apelo que recebo: ele pede-me para fazer qualquer coisa por ele. Começo por lhe escrever esta carta, para entrar em contacto com dois biólogos. Combine com Schenberg para eles o visitarem no seu Hotel. Penso que você não tem tempo para os procurar.
Por outro lado é necessário examinar a fundo as possibilidades de São Paulo para o caso de Valadares, Marques da Silva e Gibert. Peco-lhe que examine esta questão com Dami e Schenberg. Não será possível publicar em São Paulo um manifesto contra a demissão dos universitários portugueses, assinado pelos cientistas de São Paulo?
A situação, em Portugal, torna-se cada vez mais grave. Creio que é caso para se criar um Comité de Ajuda aos Cientistas Portugueses, com delegados em diferentes países. Coloquei o problema aqui e espero encontrar uma solução no prazo de uma semana. O que pensa você e Schenberg desta ideia? É necessário não apenas gritar contra todas estas perseguições mas também tentar ajudar as pessoas que tendo consagrado toda a sua vida à investigação, não têm mais a possibilidade de continuar os seus trabalhos dado que foram interditos de ter qualquer actividade pública. É um escândalo. Segundo um telegrama de hoje, Ruy Gomes também foi expulso por ter protestado contra a intromissão da polícia nos assuntos da universidade. Se não conseguirmos criar um movimento forte contra esta política, essa gente não vai parar. É preciso que o maior número possível de escolas e de cientistas protestem publicamente contra a perseguição dos homens de ciência de Portugal. É um dever de solidariedade para qualquer homem de ciência e um dever político para um antifascista.
O Comité de Auxílio aos Cientistas Portugueses em que falo acima deve ser na realidade um Comité de auxílio, que faça um trabalho paralelo mas independente do trabalho político. Estava a escrever em português, volto ao francês! Isso parece-me indispensável se queremos ser eficazes, ou seja se queremos, eficazmente, ajudar as pessoas em situação difícil. O Comité procuraria colocar as pessoas em qualquer país. O seu objectivo seria evitar que os investigadores em situação difícil sejam obrigados a interromper as suas actividades científicas. É um dever de solidariedade a cumprir. Pedi os curricula dos professores expulsos.
Depois poder-se-ia escrever a várias universidades de ajuda à pesquisa etc. Mas parece-me indispensável ter cientistas de prestígio no Comité. Estude as possibilidades em São Paulo. Quais são os cientistas indicados e dispostos a pertencer a este Comité. Escreva-me sobre esta questão o mais rapidamente possível.
Abraços para todos e para si do
(António Monteiro)
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