«Ocorreu que no verão de 1947 ou 1948, apareceu, de repente, em gozo de férias em Porto Alegre, o professor português, natural de Angola, Aniceto Monteiro que, na ocasião, lecionava na Faculdade Nacional de Filosofia e, além de autor de um dos Cadernos de Análise Geral, escrevera uma Aritmética Racional muito original, em cuja capa, bem no centro, se lê 1 + 1 = 10, fato que me permitiu adquiri-la pela metade do preço porque o livreiro não se conformava com tal asneira e o livro lhe parecia estar errado. Quem soube dessa permanência foi o Cabral (Prof. Antonio Estevam Pinheiro Cabral), meu aluno de bacharelado naqueles tempos, que propôs que convidássemos o Prof. Monteiro a fazer umas palestras sobre Topologia, tendo eu sugerido que o assunto fosse o desenvolvimento histórico e as idéias básicas desta ciência, em cinco exposições.
Barramos, porém, com uma dificuldade inicial para formalizar um convite oficial quando o diretor da Faculdade de Filosofia, que de início havia aprovado a idéia, soube por mim que o Prof. Monteiro saira de Portugal por ser da oposição ao governo Salazar e além disso se achava hospedado em um sítio do Scliar em Viamão, fatos que deram ao assunto uma conotação de esquerda. Restou-nos contornar o problema através de uma audiência com o Senhor Magnífico Reitor, Prof. Armando Câmara, líder católico ferrenho, que exigiu sabatinar o Prof. Monteiro em assuntos políticos e econômicos. Lembro-me bem de uma pergunta feita sobre o que achava ele de Salazar e da resposta seca e imediata de que Salazar, como professor de Economia, na Universidade de Coimbra, tinha sido um fracasso. Afinal, saímos com a permissão do Reitor para as cinco conferências de Topologia, sem nenhum custo para a Universidade, a serem feitas na sala da Congregação da Faculdade de Direito e que estava em reformas. O Cabral, na despedida ao Reitor, pediu que o Prof. Monteiro assinasse o Livro de Ouro dos visitantes, pedido que me parece não ter sido negado, o que pode ser comprovado se o livro ainda existisse.
E assim, debaixo de marteladas, porque o carpinteiro se negou a interromper o serviço de reparar os defeitos das janelas, realizaram-se numa semana muito quente de janeiro, essas palestras que me escancararam as portas desse mundo maravilhoso que é a Topologia e a Álgebra Moderna. Encerro este episódio com a observção do Prof. Monteiro sobre o reparo que fiz a propósito da pequena freqüência às aulas que de razoável (umas vinte pessoas) no início havia caído para duas ou três pessoas no final: em Paris, durante meses, fui aluno único de Frechet (autor da tese "Os Espaços Abstratos"). O Prof. Monteiro escreveu, ainda em Viamão, umas notas sobre Filtros e Ideais que foram publicadas pelo IMPA.»
REMINISCÊNCIAS DE UM EX-DIRETOR - UM DEPOIMENTO DE MEMÓRIA, por Antônio Rodrigues (INSTITUTO DE MATEMÁTICA - UFRGS)
Barramos, porém, com uma dificuldade inicial para formalizar um convite oficial quando o diretor da Faculdade de Filosofia, que de início havia aprovado a idéia, soube por mim que o Prof. Monteiro saira de Portugal por ser da oposição ao governo Salazar e além disso se achava hospedado em um sítio do Scliar em Viamão, fatos que deram ao assunto uma conotação de esquerda. Restou-nos contornar o problema através de uma audiência com o Senhor Magnífico Reitor, Prof. Armando Câmara, líder católico ferrenho, que exigiu sabatinar o Prof. Monteiro em assuntos políticos e econômicos. Lembro-me bem de uma pergunta feita sobre o que achava ele de Salazar e da resposta seca e imediata de que Salazar, como professor de Economia, na Universidade de Coimbra, tinha sido um fracasso. Afinal, saímos com a permissão do Reitor para as cinco conferências de Topologia, sem nenhum custo para a Universidade, a serem feitas na sala da Congregação da Faculdade de Direito e que estava em reformas. O Cabral, na despedida ao Reitor, pediu que o Prof. Monteiro assinasse o Livro de Ouro dos visitantes, pedido que me parece não ter sido negado, o que pode ser comprovado se o livro ainda existisse.
E assim, debaixo de marteladas, porque o carpinteiro se negou a interromper o serviço de reparar os defeitos das janelas, realizaram-se numa semana muito quente de janeiro, essas palestras que me escancararam as portas desse mundo maravilhoso que é a Topologia e a Álgebra Moderna. Encerro este episódio com a observção do Prof. Monteiro sobre o reparo que fiz a propósito da pequena freqüência às aulas que de razoável (umas vinte pessoas) no início havia caído para duas ou três pessoas no final: em Paris, durante meses, fui aluno único de Frechet (autor da tese "Os Espaços Abstratos"). O Prof. Monteiro escreveu, ainda em Viamão, umas notas sobre Filtros e Ideais que foram publicadas pelo IMPA.»
REMINISCÊNCIAS DE UM EX-DIRETOR - UM DEPOIMENTO DE MEMÓRIA, por Antônio Rodrigues (INSTITUTO DE MATEMÁTICA - UFRGS)