sábado, 25 de dezembro de 2010

«Sobre o problema da auto-determinação dos povos coloniais não pode haver nenhuma espécie de reticências»: carta de 24 de Abril de 1961

Bahía Blanca, 24 de Abril de 1961

Dr. Manuel Sertório
R Manuel de Nóbrega, 636
São Paulo. Brasil

Estimado Dr. Sertório:

Recebi a sua atenta carta de 13 de Abril, que muito lhe agradeço. Esta carta não continha o documento sobre o problema colonial, cujo envio me comunicava. É portanto impossível opinar sobre o mesmo. Entretanto tenho aqui à mão uma declaração sobre o problema colonial, que a Comissão de Inter-Ligação enviou ao Prof. Ruy Gomes em 30 de Março. Trata-se de um documento com uma orientação essencialmente distinta da declaração impressa à qual enviei a minha adesão na carta que lhe escrevi em 23 de Março.
Devo dizer-lhe que não assinarei a declaração de 30 de Março anteriormente indicada, porque o problema da autodeterminação dos povos coloniais está posto em termos ambíguos.
Em primeiro lugar se reconhece o direito à irrestrita auto-determinação, mas logo a seguir se agrega “sob as necessárias garantias de exercício desse direito em condições humanamente progressivas, etc.” o que pode significar, por exemplo, que os povos coloniais terão que esperar mais alguns séculos para que se lhes reconheça esse direito.
Para tomar outro ponto com o qual estou em desacordo basta citar o artigo 6°) com cuja redacção discordo totalmente. Está completamente errado sob o ponto do vista político e histórico. Usa o tom dum patrão a falar para um escravo.
Por outro lado a parte final do artigo 5°) da declaração impressa à qual tinha enviado a minha adesão foi completamente suprimido o que é deveras lamentável. Sobre o problema da auto-determinação dos povos coloniais não pode haver nenhuma espécie de reticências. Depois de uma política de opressão, escravidão e extermínio que durou séculos, o governo iniciou actualmente uma guerra de extermínio em Angola e outras colónias, que é necessário condenar nos termos mais enérgicos apoiando os povos coloniais na sua luta pela independência nacional.
Volto a manifestar o meu apoio à redacção da declaração impressa.
Comunico-lhe também o meu apoio ao documento enviado ao Prof. Ruy Gomes, em 30 de Março de 1961, pela Comissão de Inter-Ligação, de apoio à declaração de 10 de Fevereiro subscrita por 160 democratas. As palavras da primeira linha “residentes no Brasil”, devem ser substituidas por “residentes no estrangeiro” ou “residentes no Brasil, Argentina, etc.” Tal e qual como está pode pôr o meu nome entre os que estão decididos a assiná-la.
Enviando-lhe as melhores saudações democráticas, subscrevo-me com a maior consideração e respeito



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António Monteiro
Barrio Universitário, casa 12
Bahía Blanca. Argentina